Por Bianca Daébs, compartilhado do Portal do CONIC –
Todo ano, quando o Natal se aproximava, minha avó começava a montar o presépio. Um momento lúdico de aproximações, afetos e tradições. Era hora de, mais uma vez, ouvir histórias cantadas que contavam o nascimento do menino Jesus.
Peça por peça, ela ia desembalando, limpando e colocando na pequena gruta primeiro os fenos, depois os bichinhos, boi, cavalo, carneiro e até passarinho. Em seguida, era montado a manjedoura, ainda vazia, pois Jesus só chegaria na noite de Natal.
Vovó continuava a arrumação, e lá estavam José e Maria… e na entrada do presépio, do lado direito, os pastores com um toque nordestino caracterizado pelo chapéu e o gibão de couro – uma licença poética de vovó – e do lado esquerdo estavam os três Reis Magos com seus presentes: ouro, incenso e mirra. Agora era só colocar a estrela e o pisca-pisca… e na casa simples do subúrbio de Salvador (BA) já era Natal!
Quando eu tinha uns 12 anos e, mais uma vez, cumpria-se o ritual de armar o presépio, uma tradição das mulheres de minha casa, perguntei inesperadamente:
– Vó cadê as mulheres? – Que mulheres, menina? – As mulheres do presépio. – Tá aí, ouxe!, é Maria a Mãe de Jesus. – Vó, só tem ela? E a mãe dela? E a vizinha? E a Irmã e a tia? Minha vó parou uns dois minutos, pensou… fitou os olhos no infinito e respondeu – Sei não filha, filha minha não paria sozinha não.
Desde então, encasquetei que tinha mais mulheres naquele presépio e alguém as tirou de lá. Só deixaram os homens que chegaram para visitar e logo foram embora.
Mais tarde, aos 18 anos, fui ao interior da Bahia, era época de Natal. O céu azul e o sol escaldante contrastavam com o chão de terra batida. Caminhei pela feira livre e os olhos varriam a imensidão de coisas e pessoas que se entrelaçavam num comércio efervescente que misturava cores, sabores e belas história… foi ali, vendendo suas peças de barros, que encontrei nas mãos de uma artesã, o Presépio das Mulheres.
Fitei os olhos na peça de barro vermelho, como quem via além, como quem rompia o tempo. Vi no Presépio das Mulheres a realidade vivida e revivida na minha casa. Nas casas da minha rua, quando uma mulher paria, fosse quem fosse, tinha mãe, irmã, amigas e vizinhas.
Vovó sempre me contava de como Dona Maria, a parteira, trouxe seus filhos e filhas ao mundo. Sim, era o mundo das mulheres. Elas aqueciam a água, preparavam os panos e as ervas. Faziam rezas, promessas e o parto para que o novo rompesse o ventre e surgisse no mundo.
No outro dia, as mulheres ainda estavam lá! Preparavam um banho de assento, uma sopa quentinha, uma roupa limpa, um carinho nos pés. Enquanto isso, outras amigas varriam a casa, preparavam um chá, fazia um bom café e deixavam tudo pronto para receber as pessoas que logo chegariam para visitar a criança que acabara de nascer.
Perguntei à artesã porque ela havia feito um Presépio só de Mulheres. E ela me respondeu:
– Os pastores e os reis foram visitar Jesus. Eu queria mostrar que as mulheres estavam lá, antes deles, e que ficaram com Maria depois que foram embora.
Eu pensei… alguém tirou as mulheres do Presépio, encheu de homens, anjos, bichinhos e estrelas… só não tinha mulheres. Logo elas, que nunca arredaram os pés de lá.
Recuperar a presença das mulheres no presépio é lembrar da rede de mulheres, da possibilidade de transformar solidão em comunhão, do cuidado mútuo, do carinho que atenua as dores do parto e da partida.
O Presépio das Mulheres me traz cheiros, sabores e saberes de minhas avós, minhas tias, vizinhas, amigas e irmãs. Era tanta emoção, que não hesitei, quis comprá-lo. Perguntei o preço e dona Ana, com muito respeito, me disse:
– A moça vá me desculpando, mas esse presépio é de casa. Trago aqui, pra moi das pessoas espiarem e se alembrarem delas. Tá à venda não.
Respondi: – Agradecida!
Pois já era Natal em meu coração.
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*Bianca é teóloga, feminista, e uma grande parceira do CONIC na caminhada ecumênica.