O que a pandemia escancarou (ainda mais) sobre as mulheres

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Muitas enfrentaram uma avalanche de responsabilidades, que não apenas afetaram suas carreiras, mas também sua saúde mental e física

Por Júlia Pessôa, compartilhado de Projeto Colabora




Você se lembra onde estava pela última vez antes de entrar no confinamento da pandemia? Cinco anos atrás, eu dava as primeiras aulas para algumas turmas de comunicação, e naquele dia, 16 de março, me disseram para dispensar as turmas por conta da covid-19. Eu ainda não estava com medo, e achava que, em uns quinze dias em casa, voltaríamos a ativa. O resto todo mundo sabe como foi. Passamos anos a fio em casa, torcendo, rezando ou fazendo o diabo que fosse para evitar que o negacionismo matasse mais gente – e mesmo assim, só por aqui foram 700 mil vítimas fatais.

Enquanto isso, enquanto o mundo lutava contra a sombra invisível do vírus e a bem visível de governos autoritários, as mulheres foram confrontadas com um desafio duplo: enfrentar não apenas a ameaça à saúde pública, mas também a carga silenciosa das responsabilidades domésticas e dos cuidados, que pareciam se multiplicar feito Gremlin embaixo de goteira. Responsáveis pelos cuidados com doentes, idosos, crianças e a casa, a restrição ao espaço doméstico transformou todo o tempo em hora útil, e claro, foi ainda pior para mulheres em situações de vulnerabilidade social.

Enfermeira em ambulatório para a covid-19 em São Paulo: pandemia escancarou ainda mais a carga desigual sobre as mulheres (Foto: Cofen / Divulgação - 13/01/2021)
Enfermeira em ambulatório para a covid-19 em São Paulo: pandemia escancarou ainda mais a carga desigual sobre as mulheres (Foto: Cofen / Divulgação – 13/01/2021)

Com escolas e creches fechadas, muitas mulheres viram-se diante de uma avalanche de responsabilidades, que não apenas afetaram suas carreiras, mas também sua saúde mental e física. Estudos revelam que mais de 80% das mulheres na força de trabalho relataram um impacto negativo na saúde emocional.

No setor de saúde, as mulheres, que compõem a maioria dos profissionais de saúde, estiveram na linha de frente do combate à pandemia, enfrentando riscos maiores de exposição ao vírus, como soldados em uma batalha invisível. Além disso, o aumento das violências domésticas em mais de 50% durante os confinamentos revelou outra face da desigualdade: a falta de segurança para as mulheres em seus próprios lares.

Se, durante os anos de covid-19, fomos roubados de nosso presente e das possibilidades de futuro, hoje, depois de anos de amplo acesso à vacina, temos segurança e estamos de volta para o futuro. Mas é preciso seguir caminhando. A pandemia expôs de modo irreversível a desigualdade de gênero, e tanto sofrimento, individual e coletivo, não pode ter sido em vão.

A pandemia acabou, mas o patriarcado segue saudável e a plenos pulmões – e não há mascara que esconda ou previna que ele se espalhe. É urgente que haja políticas públicas  que priorizem a igualdade de gênero, oferecendo suporte às mulheres no mercado de trabalho, nos trabalhos de cuidado, nos afazeres domésticos, e em todas as esferas da vida. Elas devem, inclusive e prioritariamente, proteger a vida das mulheres.  Um futuro mais justo e igualitário depende necessariamente da erradicação de um vírus muito mais letal que a covid-19, a misoginia.

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