O que está por trás do pico global de surtos de coronavírus?

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Por Alexander Belenky, HuffPost US, compartilhado de Huffpost Brasil – 

Os casos estão aumentando conforme a vida vai voltando ao normal. Mas culpar quem aproveita as férias ou sai para se divertir significa ignorar as falhas dos governos e os problemas socioeconômicos.

Nos primeiros meses da pandemia do coronavírus, a Grécia foi uma história de sucesso surpreendente. O governo fechou o país em fevereiro e março, o que ajudou a evitar o alto número de mortes registrado em outros países europeus. Isso permitiu que o país estivesse numa boa posição para reabrir. Os gregos começaram a suspender as restrições de circulação no início de maio, cerca de um mês depois, os viajantes internacionais voltaram ao país, atraídos pela promessa de um destino em grande parte livre do coronavírus.




Desde então, no entanto, o número de casos na Grécia aumentou de forma alarmante, e os cientistas dizem que o país está agora oficialmente passando por uma segunda onda. No domingo, a Grécia registrou 203 novas infecções, o maior número diário desde o início da pandemia.

Grande parte da culpa recai sobre os jovens que se aglomeram em bares de praia e boates. Na semana passada o governo impôs um toque de recolher a bares e restaurantes de lugares conhecidos pela vida noturna agitada, incluindo as ilhas de Mykonos, Santorini e Corfu.

“Infelizmente, a transmissão do vírus está aumentando perigosamente”, disse o ministro da Saúde, Vasilis Kikilias. “Apelo mais uma vez aos jovens e aos cidadãos que não seguem as medidas básicas de proteção pessoal ― máscaras, cuidados de higiene, distâncias seguras: considerem-nas sua responsabilidades para com os grupos vulneráveis, o resto dos nossos cidadãos e o país.”

Os jovens viraram um bode expiatório conveniente para novos surtos identificados em várias partes do mundo. No Reino Unido, a cidade de Preston foi colocada em lockdown após um aumento significativo de casos entre pessoas com menos de 30 anos. As autoridades de saúde vincularam os contágios a pessoas que se aglomeravam em bares e residências.

Em resposta, funcionários do governo estão dizendo aos jovens, “Não Mate a Vovó”, para tentar reforçar a ideia de que, mesmo que não apresentem sintomas, eles podem passar o vírus para populações mais vulneráveis.

“Os jovens estão inevitavelmente entre os corajosos e os ousados. Eles querem aventuras”, disse à BBC Adrian Phillips, executivo-chefe do Conselho Municipal de Preston. “Mas sabemos que eles têm maior probabilidade de contrair o vírus no momento. Muitas vezes têm menos sintomas, mas levam a doença para casa. E a atual disseminação dentro da comunidade é causada por jovens que pegaram o vírus e o levaram para casa.”

COSTAS BALTAS / REUTERS
Garçom atende clientes em bar de Atenas, Grécia, em 1º de agosto. Desde que o país começou a suspender as restrições de circulação, o número de casos de coronavírus disparou.  

A história é parecida em outros países que levantaram as restrições de circulação. No início de maio, a Coreia do Sul identificou um surto de coronavírus vinculado a várias casas noturnas de Seul. Na Espanha, festas e casas noturnas viraram epicentros do coronavírus. Autoridades de saúde alemãs alertaram que as pessoas estão descuidando do distanciamento social. E também em partes dos Estados Unidos, as autoridades apontaram festas como uma das principais explicações para o aumento das taxas de infecção.

“Estamos descobrindo que eventos e reuniões sociais, essas festas em que as pessoas não usam máscaras, são nossa principal fonte de infecção”, disse Erika Lautenbach, diretora do Departamento de Saúde do Condado de Whatcom, no estado de Washington, à rádio NPR.

Nada disso deveria ser um grande choque. O coronavírus se espalha facilmente quando as pessoas passam muito tempo em contato próximo umas com as outras, principalmente em ambientes fechados.

“Bares e casas noturnas tendem a ser mal ventilados, e o volume da música significa que você tem que falar alto, o que é um fator de risco conhecido”, disse ao El País Joan Ramón Villalbí, porta-voz da Associação Espanhola de Saúde Pública.

Indivíduos podem ser responsabilizados por desrespeitar as diretrizes de distanciamento social ou uso de máscaras, ou então por ir a festas ilegais e raves. Mas muitos países também incentivaram os clientes a voltar aos bares, restaurantes e outros estabelecimentos com o objetivo de reviver a indústria da hospitalidade. Em tais situações ― especialmente depois de meses de confinamento ― os apelos à moderação podem cair em ouvidos moucos.

Quando os pubs reabriram no Reino Unido, no mês passado, áreas de vida noturna agitada ficaram rapidamente lotadas. John Apter, presidente da Federação da Polícia, disse que era “mais que claro” que pessoas bêbadas são incapazes de manter o distanciamento social de maneira adequada.

O risco de que o fim das restrições a viagens e a reabertura de empresas possam desencadear um aumento nas infecções é conhecido há muito tempo ― também na Grécia.

“Todos nós sabíamos, tanto nós quanto nossos cientistas e especialistas, que com a abertura de nossas fronteiras teríamos um aumento parcial de casos”, disse Kikilias, o ministro da saúde grego, no mês passado. Mas “a economia e o turismo têm de sobreviver”.

NURPHOTO VIA GETTY IMAGES
Jovens lotam a Old Compton Street, no bairro do Soho, em Londres, em 18 de julho de 2020.

Jovens que vão a festas e bares dificilmente são a única causa dos novos surtos de coronavírus. Existem muitas outras situações em que as pessoas também passam muito tempo próximas umas das outras. Em todo o mundo, os surtos têm sido associados a casas de repouso, fábricas de processamento de carne, depósitos e centros de distribuição, habitações públicas e outros lugares onde há muita densidade.

No Reino Unido, a cidade de Leicester foi a primeira a ser colocada em lockdown, local no final de junho, após um surto de casos de coronavírus. Embora as autoridades de saúde pública não tenham identificado uma causa específica, há suspeitas de que a origem tenham sido fábricas de roupas e unidades de processamento de alimentos – cujas condições de trabalho são motivo de reclamação há anos.

Em julho, o secretário de saúde do Reino Unido, Matt Hancock, disse que estava “muito preocupado com as práticas de algumas fábricas”.

A situação é semelhante na Alemanha e em outros países, incluindo os Estados Unidos, onde trabalhadores ― muitas vezes imigrantes ou negros ― tendem a trabalhar em condições perigosas e a viver juntos em dormitórios lotados.

CLARA MARGAIS VIA GETTY IMAGES
Menino pula no mar na praia de Magaluf, em Mallorca, Espanha, 30 de julho. A área é um destino turístico popular principalmente para britânicos.  

O ressurgimento do coronavírus também pode ser atribuído a falhas dos governos.

Na Austrália, o sistema de quarentena em hotéis implementado no estado de Victoria é provavelmente responsável, pelo menos em grande parte, pelo aumento de casos. Outras partes do país dependiam da polícia e dos militares para fazer cumprir a quarentena obrigatória dos viajantes que retornavam. Victoria, entretanto, contratou empresas de segurança privada. Essas empresas supostamente não tinham treinamento adequado ou equipamentos de proteção individual, e muitos dos funcionários iam trabalhar juntos de carro e interagiam frequentemente com os hóspedes em quarentena.

Uma investigação do governo sobre o que houve de errado no sistema deve começar na próxima semana.

A Nova Zelândia também está tentando identificar a causa de um novo surto no país. Quatro pessoas em uma casa em Auckland tiveram resultado positivo em seus testes, os primeiros casos de transmissão local no país em 102 dias. O ressurgimento do vírus fez com que o governo colocasse Auckland, a maior cidade do país, em lockdown para permitir que as autoridades de saúde investigassem a origem do surto e tentassem limitar sua propagação.

A França também reforçou as restrições impostas a reuniões sociais e incentivou o uso de máscaras após um aumento de mais de 785 casos diários de covid-19.

PASCAL GUYOT VIA GETTY IMAGES
Cerca de 10.000 pessoas participaram de uma rave no Parque Nacional de Cévennes, no sul da França, em 10 de agosto.  

Finalmente, os dados mostram que as comunidades pobres e minoritárias de muitos países correm o maior risco de contrair o coronavírus ― uma consequência do racismo sistêmico e da desigualdade econômica. Em junho, um relatório oficial da Public Health England apontou que negros, asiáticos e outras minorias étnicas têm maior probabilidade de morrer de coronavírus do que os brancos.

Os críticos afirmam que as autoridades demoram a reconhecer os problemas e a oferecer o apoio de que essas comunidades precisam. No Reino Unido e na Austrália, por exemplo, funcionários do governo foram criticados por não comunicar as diretrizes de saúde e segurança às pessoas cuja primeira língua não é o inglês.

“Não acho que alguém esperasse uma explicação científica clara e instantânea para um número tão alto de mortes entre as minorias”, disse Chaand Nagpaul, presidente do conselho da British Medical Association, ao HuffPost UK em junho. “Mas o que esperávamos era alguma ação prática para proteger aqueles que sabemos que estão em risco.”

“Não acho que a geração mais velha, como minha mãe, que tem cerca de 60 anos, e a geração de seus pais, tenha acesso à internet”, disse Huong Truong, filha de refugiados vietnamitas, ao HuffPost Austrália. “É boca a boca e conexões familiares, pessoas jovens como eu, avisando dos riscos e esclarecendo informações incorretas que circulam por aí.”

Não é errado que as autoridades lembrem o público que é preciso manter a vigilância e agir com responsabilidade. Na ausência de uma vacina, seguir as orientações oficiais sobre higiene das mãos, distanciamento social, uso de máscaras e outras medidas de segurança continuará tendo papel fundamental na prevenção de infecções.

Mas essa orientação muitas vezes foi mal comunicada ao público, e o fato de que algumas figuras do governo simplesmente se recusaram a seguir as próprias regras minou as medidas oficiais para conter o coronavírus. No Reino Unido, por exemplo, os pesquisadores identificaram um “efeito Dominic Cummings” – em referência ao principal assessor do primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, que saiu de Londres com sua família ignorando as ordens para ficar em casa. Esse tipo de comportamento pode ter reduzido a adesão à quarentena.

No final das contas, os jovens bêbados não deveriam arcar com toda a culpa pelo aumento dos casos de coronavírus. Grande parte da responsabilidade é dos próprios funcionários dos governos.

Com reportagem do HuffPost UK, HuffPost França e HuffPost Austrália.

*Este texto foi originalmente publicado no HuffPost US e traduzido do inglês.

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