Por Helena Sthephanowitz, publicado na RBA –
Caso Delcídio lembra aquela capa da véspera do segundo turno. Revista troca delação verdadeira contra Aécio por falsa sobre Dilma. Veja documentos
Lembram da capa mentirosa da revista Veja na véspera do segundo turno de 2014, cuja distribuição foi antecipada para a quinta-feira antes do domingo de votação? Dizia que o doleiro Alberto Youssef havia delatado na terça-feira – dia 21 daquele mês – que Lula e Dilma “sabiam tudo”, referindo-se às propinas na Petrobras.
Em março de 2015, toda a delação premiada de Youssef foi publicada em órgãos de imprensa. Então foi possível saber que, naquele 21 de outubro, Youssef prestou três depoimentos. Um sobre propinas relacionadas ao Instituto de Resseguros do Brasil (IRB) para gente do PP e PTB. Outro sobre propinas de laboratórios na Anvisa. E o terceiro foi quando falou pela primeira vez saber que Aécio Neves (PSDB-MG) tinha influência em Furnas e recebia “comissões” por intermédio da irmã.
Youssef delatou Aécio no dia 21 de outubro, a terça-feira citada na capa e na matéria da revista Veja. A revista, em vez de noticiar a verdade na capa – “Youssef delata Aécio por propinas em Furnas”, noticiou o contrário, como se o doleiro tivesse delatado Dilma e Lula, coisa que ele não fez.
Não tratou-se apenas de péssimo jornalismo, pois o “engano” simplesmente inverteu a notícia sobre os dois candidatos que disputavam a Presidência da República, três dias antes do pleito. A revista foi usada literalmente como panfleto mentiroso de campanha pró Aécio Neves.
Naquela sexta-feira antes das eleições, dia seguinte ao da circulação da revista, o então advogado do doleiro, Antônio Augusto Figueiredo Basto, respondia à própria Veja: “(…) Não posso me manifestar sobre um fato que é sigiloso. Nunca desmenti a reportagem da revista. Eu não posso desmentir um fato sobre o qual não posso me manifestar”.
Ao jornal O Globo, desmentiu, se dizendo “surpreso”: “Eu nunca ouvi nada que confirmasse isso. Não conheço esse depoimento, não conheço o teor dele. Estou surpreso (…) Conversei com todos da minha equipe e nenhum fala isso. Estamos perplexos e desconhecemos o que está acontecendo. É preciso ter cuidado porque está havendo muita especulação”.
Passadas as eleições, outros jornais publicaram que Youssef prestou depoimento na terça-feira 21 e não citou Lula ou Dilma. Era mentira da Veja, como depois a mentira ficou documentada com a publicação dos depoimentos de Youssef.
No dia 17 de novembro de 2014, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, confirmou em entrevista àFolha de S.Paulo que houve tentativa de usar a Lava Jato eleitoralmente: “Estava visível que queriam interferir no processo eleitoral. O advogado do Alberto Youssef operava para o PSDB do Paraná, foi indicado pelo (governador) Beto Richa para a coisa de saneamento (Conselho de administração da Sanepar), tinha vinculação com partido. O advogado começou a vazar coisas seletivamente. Eu alertei que isso deveria parar, porque a cláusula contratual diz que nem o Youssef nem o advogado podem falar. Se isso seguisse, eu não teria compromisso de homologar a delação”.
Por uma incrível coincidência, quando o mesmo Antonio Augusto Figueiredo Basto advoga para o senador Delcídio Amaral (PT-MS), a revista IstoÉ publica o vazamento de uma suposta delação de Delcídio – já desmentida. É mais fantasiosa do que aquela capa da Veja, pois há fatos “delatados” impossíveis de terem ocorrido pela própria cronologia.
Depois de horas de a notícia ser repercutida o dia inteiro, provocando movimentos especulativos nas Bolsas de Valores, no dólar e realimentando movimentos golpistas no Congresso, Delcídio e Basto emitiram no fim da tarde uma nota dizendo “não confirmar” o conteúdo de reportagem: “Não conhecemos a origem, tampouco reconhecemos a autenticidade dos documentos que vão acostados ao texto. Esclarecemos que em momento algum, nem antes nem depois da matéria, fomos contatados pela referida jornalista para nos manifestarmos sobre a fidedignidade dos fatos relatados”.
Se “o vazador” de hoje for do mesmo padrão falso e invertido daquele que vazou para a capa da revista Veja em 2014, o teor da delação de Delcídio, se existir ou se vier a existir, também deve estar invertido. Em vez de Dilma ou Lula serem os citados, algum grão-tucano queridinho da mídia é que pode estar encrencado na delação. Lembremos que Delcídio já delatou informalmente o “petrolão tucano” ocorrido no governo FHC em suas inconfidências gravadas pelo filho de Nestor Cerveró.