O que realmente aconteceu com a família de Bachelet durante a ditadura de Pinochet no Chile?

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Por Victor Farinelli de Santiago (Chile), publicado em Ópera Mundi – 

A tragédia familiar dos Bachelet ganhou um novo capítulo nesta quarta-feira (04/09), quando o presidente brasileiro Jair Bolsonaro evocou o assassinato sob tortura do brigadeiro Alberto Bachelet, cometido pelos seus camaradas da Força Aérea Chilena (FACh), ainda nos primeiros meses da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990) para atacar a alta comissária de Direitos Humanos das Nações Unidas, Michelle Bachelet, que é ex-presidente do Chile e filha de Alberto.

Para contextualizar o ocorrido, é preciso regressar ao dia 11 de setembro de 1973, quando ocorreu o golpe de Estado contra o presidente Salvador Allende – e que está prestes a completar o seu 46º aniversário. Michelle, então estudante de medicina da Universidade do Chile, viu seu pai pela última vez, sendo preso pelos golpistas, ao ser um dos poucos comandantes militares que não aderiu à conspiração.

A lealdade de Bachelet para com Allende não era um acaso. Tratava-se de um dos militares com quem o presidente socialista chileno tinha maior confiança. Não era o comandante-chefe da FACh, mas tinha sim grande importância política, especialmente a partir de 1972, quando foi nomeado diretor do Dinac (Departamento Nacional de Abastecimento).

O cargo era vital naquele Chile que sofria com a tentativa de desestabilização econômica orientada pelos Estados Unidos, e que visava justamente sabotar a distribuição de produtos básicos à população, promovendo o desabastecimento e a inflação. Entre suas atribuições, ele era responsável por coordenar o trabalho das JAP (Juntas de Abastecimento e Controle de Preços), que funcionavam como pequenos comitês comunitários de fiscalização.

Após a prisão, Bachelet passou seus últimos seis meses preso na Academia de Guerra das Forças Armadas, cujo diretor era seu amigo pessoal e colega da FACh, o brigadeiro Fernando Matthei – que, posteriormente, entre 1978 e 1990, formaria parte da Junta Militar de Governo, liderada pelo ditador Pinochet, como representante da Aeronáutica.

Segundo o capitão Jorge Silva, cujo testemunho foi decisivo para a condenação dos responsáveis pelas torturas e morte do brigadeiro, “a tortura contra ele foi além dos castigos físicos, o levaram a uma sala onde torturaram uma mulher que queriam que confessasse ser sua amante, e ameaçaram trazer sua esposa (a arqueóloga Ángela Jeria), também queriam acusá-lo por um tema de corrupção, eles queriam destruir sua reputação e sua família”.

Michelle Bachelet, em foto dos anos 1960, com o pai, o general Alberto Bachelet (Foto: Wikimedia Commons)

No dia 12 de março de 1974, Alberto Bachelet sofreu um infarto e foi levado ao Hospital Militar. Não se sabe ao certo se o falecimento aconteceu antes ou depois de chegar ao local. O processo judicial que investigou a morte do brigadeiro terminou com duas condenações, as dos brigadeiros Edgar Ceballos e Ramón Cáceres, considerados responsáveis diretos pelos crimes de tortura física e psicológica com resultado de morte – o primeiro conseguiu um indulto, após a defesa alegar que ele sofria de demência senil.

Depois da morte de Alberto Bachelet, sua esposa, Ángela Jeria, e sua filha, Michelle Bachelet, passaram a ser alvos constantes dos órgãos repressores da ditadura. A então estudante de medicina era também militante da Juventude Socialista – organização universitária ligada ao Partido Socialista, e que se tornou clandestina após o golpe de Estado. Em janeiro de 1975, as duas foram sequestradas pela Dina (Departamento de Inteligência Nacional) e levadas ao centro de tortura de Villa Grimaldi, onde permaneceram durante cinco meses.

Após a libertação, mãe e filha fugiram do país. Instalaram-se primeiro na Austrália, onde vivia o irmão de Michelle, Alberto Bachelet Jr. Meses depois, mudaram-se para a Alemanha Oriental, onde permaneceram até 1979, quando Michelle retornou para completar seus estudos em medicina. Ángela Jeria regressou dois anos depois. Ambas foram presas outras vezes durante os anos 1980, por participar de manifestações de repúdio ao regime militar.




Apesar dos muitos indícios da responsabilidade do brigadeiro Fernando Matthei, diretor do centro de tortura onde Bachelet passou seus últimos dias, esta não chegou a ser comprovada judicialmente, embora tenha sido investigada até o dia de sua morte, em novembro de 2017 – após a qual o processo foi naturalmente arquivado.

Essa questão ganhou grande interesse no Chile em 2013, devido a uma incrível coincidência: no segundo turno das eleições presidenciais daquele ano, a socialista Michelle Bachelet teve que confrontar a conservadora Evelyn Matthei, filha de Fernando. Aquela disputa foi vencida por Bachelet, que teve 62,17% contra 37,38% de Matthei, a maior diferença já registrada numa eleição chilena desde o retorno da democracia.

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