Por Paulo Nogueira, em DCM –
João Victor tinha 13 anos. É aquela idade em que você é leve, feliz. Sonha, ri à toa, tem a vida pela frente.
É a regra.
Mas essa regra vale pouco quando você vive num país tão injusto e tão desigual como o Brasil.
Neste sábado, João Victor deveria estar jogando bola com os amigos. Talvez trocando mensagens com aquela que viria a ser sua primeira namoradinha.
Mas João Victor está morto. Foi espancado até a morte por seguranças do Habib’s. Ele habitualmente pedia dinheiro para as pessoas que iam comer no Habib’s.
Um vídeo mostrou as circunstâncias da morte. Deveria provocar comoção nacional: João Victor aparece arrastado como um saco de cimento em seus momentos finais.
Mas nada. João Victor, nem passou uma semana, já foi esquecido. É um dos invisíveis da plutocracia brasileira.
Ele não parecia ter 13 anos. Como toda criança que nasce e cresce na miséria, era mirrado. No vídeo, parecia ter 7, 8 anos.
Você vê as imagens e sente uma vontade impotente de pegar aquela criança nos braços e dar-lhe o conforto possível.
Mas João Victor está morto. Agora é tarde demais para fazer qualquer coisa por ele.
E ele tinha 13. Só 13.
Quando vejo casos assim, me ocorre um pensador chamado John Rawls.
Ninguém formulou uma teoria tão engenhosa sobre uma sociedade justa quanto Rawls (1921-2002).
Em 1971, Rawls publicou um livro aclamado: “A Teoria da Justiça”.
A idéia central de Rawls era a seguinte: uma sociedade justa é aquela na qual, por conhecê-la e confiar nela, você aceitaria ser colocado de maneira randômica, aleatória.
Você estaria coberto pelo que Rawls chamou de “véu de ignorância” em relação à posição que lhe dariam, mas isso não seria um problema, uma vez que a sociedade é justa.
Você não acabaria numa favela. Você, onde quer que estivesse, teria acesso a escolas e hospitais públicos de alto nível, e coisas do gênero.
É mais ou menos o que acontece na Escandinávia. E é o oposto do que ocorre em lugares injustos como o Brasil.
João Victor, se nascesse na Dinamarca, estaria talvez andando de bicicleta agora. Seria, como típico adolescente nórdico, alto, forte e saudável.
Mas ele nasceu no Brasil. No amplo lado miserável nacional.
A ele coube ser um menino que pede dinheiro na frente de um restaurante.
A ele coube a invisibilidade social.
A ele coube a morte aos 13. Arrastado. Arrastado. Como. Um. Saco. De. Cimento.
Não choremos por ele lágrimas inúteis. Não fizemos nada por João Victor em sua vida breve. Chorar agora, tão tarde, chega a ser uma ofensa à memória dele.
Choremos por nós mesmos. Pelo nosso monstruoso fracasso em construir um país justo. Pela nossa criminosa tolerância diante de tamanha desigualdade.