O real sentido da política revolucionária negra

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O livro tem tradução de Heci Regina Candiani, orelha de Marcos Queiroz e capa de Mateus Rodrigues.

Por Marcos Queiroz, compartilhado de Boitempo




Na foto: Amilcar Cabral. Foto: WikiCommons.

O século XX foi celeiro da práxis revolucionária anticolonial, em que as lutas por libertação africana se associavam ao antirracismo nas Américas e às reivindicações de soberania política de outros povos ao redor do mundo. No entanto, a repressão sistematizada pelas potências ocidentais, o assassinato de lideranças, a capitulação de políticos do Sul global e a emergência da ordem neoliberal enterraram o sopro transformador vindo da Conferência de Bandung em 1955. Para concretizar sua vitória, a lógica neocolonial do capital silenciou essa tradição rebelde, seja pelo apagamento das suas bases marxistas, seja pela bajulação da descolonização de gabinete, descolada do destino das maiorias planetárias.

Em África VermelhaKevin Ochieng Okoth vasculha as ruínas dessa experiência em busca de alternativas teóricas e organizativas para construir o futuro. Em um primeiro momento, é apresentado um panorama do deslocamento neoliberal da crítica ao colonialismo. As teorizações da decolonialidade, do afropessimismo e de certo pensamento negro produzidas nas instituições do Atlântico Norte são analisadas em seu pano de fundo comum: o antiuniversalismo, as dificuldades em tecer laços de solidariedade, a identitarização romântica dos subalternizados e a transformação da ação política no ato de “retirar-se” do combate em detrimento da organização programática e coletiva. Ao secundarizar a crítica da economia política, o novo campo da descolonização priorizou as questões do “saber” e da moral. Os vínculos entre soberania e liberdade saem de cena para dar lugar às disputas por museus, postos acadêmicos, bolsas de pesquisa e fontes de financiamento — de preferência, nas metrópoles imperiais.

Para enfrentar o rebaixamento teórico e estratégico, Kevin resgata a tradição socialista e comunista da libertação nacional africana. Amílcar Cabral, Andrée Blouin, Mario Pinto de Andrade, Maryse Condé, Eduadro Mondlane e outros formam um legado afromarxista que nos ajuda a lidar com os becos sem saída contemporâneos, em especial quando a crítica anticolonial é reduzida a reflexões solipsistas, atrativas a um mercado editorial mais preocupado com os lucros da “pedagogia branca” do que com a destruição dos fundamentos racistas do capitalismo. Num momento em que o antirracismo se encontra em uma encruzilhada entre sua acomodação liberal e a perseguição aberta do fascismo, o passado-presente da África Vermelha ilumina os reais sentidos da política revolucionária negra — e por que ela ainda é e deve ser temida pelo imperialismo.  


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Qual o caminho para a emancipação dos povos – não brancos – do Sul global? Em África Vermelha: resgatando a política negra revolucionária, o pesquisador Kevin Ochieng Okoth sustenta que as discussões contemporâneas sobre radicalismo negro perderam de vista as principais preocupações dos militantes e intelectuais do século XX. Em uma crítica contundente ao esvaziamento do marxismo e das políticas radicais de transformação no continente, o autor propõe um resgate da tradição intelectual marxista anticolonial como chave para pensar o presente e construir o futuro.

O livro tem tradução de Heci Regina Candiani, orelha de Marcos Queiroz e capa de Mateus Rodrigues.

A partir de uma análise rigorosa das experiências de emancipação do século XX, Okoth questiona os limites das abordagens teóricas predominantes no século XXI — como o afropessimismo e a decolonialidade — que, segundo ele, descartam a crítica da economia política e reduzem o marxismo a uma ciência eurocêntrica e obsoleta.

Ao longo do livro, o autor articula eventos históricos africanos com a trajetória e a formação política e intelectual de figuras centrais do pensamento negro e anticolonial, abrindo caminhos para repensar as lutas do presente sob uma perspectiva marxista. Em vez de ver o marxismo como uma relíquia, Okoth o encara como uma ferramenta ainda vital para imaginar e impulsionar projetos políticos emancipatórios: “Mas por que se agarrar a uma política que supostamente está ‘ultrapassada’, como afirmam alguns? O objetivo, defendo eu, é recordarmos que havia, e ainda há, caminhos alternativos para a emancipação – caminhos que, no entanto, foram esquecidos, mas que continuam tão radicais e transformadores como sempre. Cabe a nós construir um comunismo para o nosso tempo a partir das ruínas da África Vermelha”, escreve.

“Este livro não é um simples exercício de nostalgia ou recordação de uma época em que a mudança revolucionária parecia possível. Pelo contrário, é um projeto político que espera resgatar o que resta da tradição da África Vermelha – que foi traída, violentamente suprimida ou apagada – e construir, a partir daí, uma política revolucionária. É, em resumo, um experimento de marxismo de salvamento: um comunismo das ruínas que resgata o legado da libertação nacional. Ainda temos muito a aprender com a política de Eduardo Mondlane, Amílcar Cabral, Walter Rodney e Andrée Blouin. Ainda podemos construir algo novo a partir de seu pensamento político, algo que se apegue à promessa utópica de liberdade e se recuse a desistir.”
— Kevin Ochieng Okoth

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