O recorde de degelo da Antártida e o fim das praias do Rio de Janeiro

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Cobertura de gelo marinho no hemisfério sul, neste verão, atinge o menor nível desde que começaram as medições por satélite em 1979

Por José Eustáquio Diniz Alves . compartilhado de Projeto Colabora




Na foto: Icebergs são vistos ao redor da Ilha Horseshoe, na Antartida. Degelo atinge o menor nível desde o início das medições em 1979. Foto Anadolu Agency via AFP

Comecei a escrever esse artigo sobre a aceleração do degelo da Antártida, em março de 2023, no bairro de Ipanema, no Rio de Janeiro, com uma temperatura acima de 34 graus celsius e refletindo sobre a fala do Secretário-Geral da ONU, António Guterres, que disse que o aumento do nível do mar ameaça provocar um êxodo de proporções bíblicas.

A Antártida é um continente distante e gelado que costuma atrair a atenção do público pela beleza e pela quantidade de pinguins. Além disto, ela possui uma grande importância para o planeta, pois concentra cerca de 60% da água doce do mundo armazenada em suas geleiras e calotas de gelo. Se todo esse manto gelado derretesse, estima-se que o nível do mar aumentaria em cerca de 60 metros. Embora seja muito improvável que isso ocorra no horizonte de curto prazo, é importante destacar que um degelo de apenas 5% já representaria uma elevação de 3 metros no nível dos oceanos. Isso teria consequências catastróficas, incluindo o fim da maioria das praias urbanas do mundo.

A Antártida é um regulador importante do clima global. O derretimento do gelo marinho pode ter consequências significativas, afetando habitats de muitas espécies, incluindo baleias, pinguins e focas, além de gerar mudanças na salinidade dos oceanos que afetariam toda a vida marinha. Além disso, o derretimento do gelo pode afetar a circulação oceânica e atmosférica, o que teria impactos significativos no clima global.

A cobertura de gelo marinho na Antártida, neste verão do hemisfério sul, registrou o menor nível desde que tiveram início as medições por satélite em 1979. Cientistas do NSIDC (Centro Nacional de Gelo e Neve dos Estados Unidos) destacaram que o gelo marinho na Antártica atingiu uma extensão de 1,79 milhão de km2, no dia 21 de fevereiro, estabelecendo o novo recorde mínimo da série, cerca de 1 milhão de km2 abaixo da extensão média do gelo da Antártida de 1981 a 2010. As duas figuras abaixo mostram como diminuiu a concentração de gelo marinho no dia 28 de fevereiro entre os anos de 2015 e 2023.

O gráfico abaixo, também do NSIDC, mostra a extensão de gelo marinho na Antártida para diversos anos e a média do período 1981-2010. Nota-se que o ano de 2015 estava acima da média das últimas décadas, enquanto 2022 atingiu o nível mínimo de gelo ao redor do continente durante todo o ano. Porém, os meses de janeiro e fevereiro de 2023 superaram negativamente os valores do ano passado e apresentam a menor extensão de gelo marinho jamais atingido para o verão do continente mais meridional.

Os gráficos abaixo, da mesma fonte, mostram os dados relativos ao mês de fevereiro, para o período de 1979 até 2017 e para 1979 até 2023. Nota-se que entre 1979 e 2017 a inclinação positiva da reta tinha o valor de 3,0 + ou – 3,8% por década, mesmo considerando que em 2016 e 2017 a anomalia ficou abaixo da média da série. Mas considerando o período 1979 e 2023 a inclinação da reta ficou negativa, marcando -1,4 + ou – 3,5% por década. Ou seja, houve uma mudança na tendência e a Antártida deixou de ganhar gelo marinho e começou a perder grandes extensões de gelo nos meses de fevereiro.

A alta taxa de degelo da Antártida desde 2015 gera temores de que esteja se consolidando uma tendência de declínio irreversível. Os dados da Organização Meteorológica Mundial (OMM) indicam que os últimos 8 anos foram os anos mais quentes do Holoceno (últimos 12 mil anos). Desta forma, o aquecimento global tem acelerado o degelo do polo Sul, ao mesmo tempo em que o degelo ajuda a acelerar o aquecimento global. Uma das propriedades das grandes extensões do gelo marinho é refletir de volta para o espaço até 90% da energia solar incidente sobre o continente. No entanto, quando o gelo é substituído por um mar escuro e descongelado, a água absorve um maior percentual de calor do sol, contribuindo para o aumento da temperatura, que por sua vez contribui para acelerar a perda de gelo e a liberação do CO2 preso nas plataformas congeladas. Isso é chamado de efeito feedback positivo, pois um evento leva a outro evento que amplifica ainda mais o efeito inicial.

O gelo marinho também funciona como uma barreira natural que mantém as geleiras terrestres presas à terra. Quando o gelo marinho derrete, as geleiras podem escorregar para o oceano mais facilmente, aumentando abruptamente o nível do mar global. Por exemplo, a geleira Thwaites, conhecida como geleira do fim do mundo, é uma enorme plataforma de gelo na Antártida Ocidental, que tem sido objeto de preocupação crescente devido ao seu rápido derretimento e potencial impacto no aumento do nível do mar.

A Thwaites é considerada uma das maiores contribuintes individuais para o aumento do volume de água marinha, com o potencial de elevar, imediatamente, o nível global dos oceanos em mais de meio metro. Ela cobre uma área de cerca de 192.000 km², o que é aproximadamente o tamanho do estado do Paraná, e contém água suficiente para elevar o nível do mar em mais de um metro. A geleira está derretendo a uma taxa alarmante de cerca de 50 bilhões de toneladas de gelo por ano. Isso é equivalente a cerca de 1,5 milhão de piscinas olímpicas de água por dia.

A causa desse rápido derretimento é o aquecimento dos oceanos, que está erodindo a base da geleira e causando seu colapso. Além disso, a topografia do fundo do mar que a sustenta é vulnerável ao derretimento, pois se aprofunda em direção ao centro da geleira, permitindo que a água quente do oceano flua e derreta o gelo com mais facilidade. Os cientistas estão monitorando de perto a geleira de Thwaites e realizando pesquisas para entender melhor como ela está mudando e como isso afetará o aumento do nível do mar. O fato é que o derretimento dos polos, da Groenlândia e dos glaciares deixará muitas áreas litorâneas debaixo d’água, gerando danos sociais e econômicos incalculáveis.

Refletindo sobre os problemas do derretimento da criosfera, os professores Orrin Pilkey, da Universidade de Duke, nos EUA, e Andrew Cooper, da Universidade de Ulster, no Reino Unido, lançaram o livro “The Last Beach” (A última praia). Nele, os autores mostram que as intervenções humanas nas áreas costeiras, juntamente com a elevação do nível do mar e as tempestades e furacões causados pelas mudanças climáticas, estão provocando uma vasta erosão de areia que está sendo levada para o fundo dos oceanos, resultando na perda de solo costeiro. De acordo com os autores, essa erosão pode levar ao desaparecimento de grandes extensões de praias densamente povoadas, sendo que a sentença de morte para essas áreas já foi proclamada.

Pôr do sol em Ipanema. Cientistas alertam que maioria das praias do mundo seguem ameaçadas pela pela crise climática. Foto Carl de Souza/AFP
Pôr do sol em Ipanema. Cientistas alertam que maioria das praias do mundo seguem ameaçadas pela pela crise climática. Foto Carl de Souza/AFP

Portanto, as praias da maioria das cidades do planeta correm o risco de serem “varridas do mapa”. Esse processo pode ter sérias consequências sociais na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, que é a maior e mais complexa aglomeração urbana da zona costeira brasileira, com mais de 12 milhões de habitantes. As praias de Copacabana, Ipanema, Leblon e Barra da Tijuca e seus arredores são extremamente vulneráveis ao avanço do nível do mar e às inundações provocadas por ressacas, chuvas e tempestades.

As praias cariocas já sofrem com a erosão costeira e a degradação ambiental há décadas. A urbanização desordenada e a construção de estruturas na costa, como píeres, molhes e quebra-mares, podem alterar o fluxo de sedimentos e a dinâmica das praias. Além disso, o aumento do nível do mar e a intensificação de eventos climáticos extremos também contribuem para a erosão costeira e a destruição do litoral e encolhimento das praias.

No feriado de 21 de abril de 2016, pouco antes das Olimpíadas do Rio, houve o desabamento de parte da recém-inaugurada ciclovia Tim Maia, na Avenida Niemeyer, deixando dois mortos. Em 2017, a Praia da Macumba voltou a sofrer com os efeitos de uma forte ressaca, que engoliu dois metros da pista que restava no local e derrubou diversas benfeitorias. Em 2019, o muro, a ciclovia e o heliponto do Grupamento Marítimo desabaram na Praia do Pepê, na Barra da Tijuca. São inúmeros os registros das ressacas que mostram as águas cobrindo as Avenidas Atlântica, Vieira Souto e Delfim Moreira, ilhando os quiosques e os moradores das praias mais famosas do país.

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