Por Zeca Ferreira, cineasta –
Sábado, 25 de janeiro de 2020, o Terreiro Grande aporta no Iate Clube de Paquetá. Faça chuva ou faça sol, com barca ou sem barca. Vai ser histórico. Sempre é.
Ver pela primeira vez o Terreiro Grande em ação certamente foi um dos maiores assombros estéticos de que me lembro. Um grupo de 15 (às vezes 18, às vezes 20) trabalhadores, de periferias diversas daquele mundo que é São Paulo, batalhadores nos mais variados ofícios, estabelecendo uma ligação quase espiritual com outros trabalhadores das periferias cariocas de muitas décadas atrás, identificando no samba a essência que faz dele uma das maiores expressões que esse país já produziu: um canto de lamento, um canto triste de peito cheio, de nariz erguido, altivo, muitas vezes com um sorriso e uma alegria de viver estampadas que tornam tudo mais complexo, mais humanos, mais bonito.
E sou suspeito porque diante do assombro juntei alguns amigos queridos para seguir aquela rapaziada por alguns dias e fazer esse primeiro documentários (veja abaixo) que gosto tanto quanto lamento não poder tê-los seguido por mais tempo, quando surgiriam as contradições que revelariam também no grupo a complexidade e a beleza do samba.
Levamos aquilo pro palco e pro disco, assombrando muito mais gente – ainda que o Robertinho sempre insistisse, com alguma razão, que o lugar do Terreiro Grande era no chão, sem microfone, no plano comum, no mesmo palco em que se encena o cotidiano do povo de um país.
A relação do Terreiro Grande com a ilha de Paquetá é umbilical, literalmente. De certa maneira, foi um sonho sonhado nesse pequeno espaço de terra, que passou a representar a utopia de um lugar à parte da mesquinharia reinante, da exploração dos patrões, das portas fechadas do dia a dia, da escravidão do tempo da fábrica, da portaria do prédio de bacana, do banco do táxi, até da gravata apertando os sonhos revolucionários. Bocão, Pereira, Eri, Edinho, Didio, Renato, Luigi, Miséria, Careca, Cardoso, Lelo, Alfredo, Jorge, Tuco, (e os novos e velhos companheiros que se somam) quantas aventuras vivemos juntos, camaradas.
E quis o destino que o Terreiro Grande viesse a Paquetá no exato fim de semana em que a utopia está acesa na luta justa, na união, no canto coletivo que, como nos ensinou a história do Terreiro Grande, é o que temos de mais poderoso, é o que nos faz indestrutíveis. A ilha grita junta pela manutenção de uma grade de horários na barca que nos liga ao continente. Uma luta que parece trivial, mas que é também um despertar de consciência para a base de tudo: um patamar mínimo de dignidade e o entendimento coletivo de que estamos juntos e não abriremos mão disso.