Mais um amanhecer com a coluna “A César o que é de Cícero”, do doutor em Literatura Cícero César Sotero Batista. Neste despertar, César faz a crônica de um sonho.”
“É noite. Eu estou em um terraço ou em um playground com um grupo de pessoas. Para mim, elas são todas de esquerda. No sonho, somos ainda jovens, na faixa dos trinta anos.
Era uma festa ou um pequeno comitê. As pessoas ouvem música relaxadamente. Uma dessas pessoas, uma jovem, me pede para colocar uma música em uma playlist, pelo que entendo.
Lembro-me de que não sei ainda fazer playlists direito e fico me perguntando como eu irei atender ao pedido da moça.
O sonho muda para uma outra cena. Há um grupo de jovens do tipo jovens raivosos. Eles me cercam e exigem explicações sobre a minha conduta política.
Aparece um rapaz mais raivoso ainda disposto a brigar comigo. Há certo momento eu digo nitidamente a palavras “Cultura”. A palavra é central para a justificativa da minha conduta, que aos olhos do meu oponente, não parece tão engajada assim.
Nós brigamos, eu venço a parada e o despedaço. Lembro-me do rapaz estirado no chão antes de eu despedaçá-lo, julgo a dentadas.Distribuo nacos de carne crua às pessoas.
Abro a porta de uma sala (a porta era do tipo corta-fogo, como existem nos prédios) e encontro Erivelto Reis, sem suspensórios. Antes já tinha dado uma bitoquinha em uma colega da Feuc.
Sonhar com isso tudo em uma véspera de eleição foi muita coisa para mim.
Em tempo: Como Terry Eagleton afirma ao explicar o procedimento da crítica psicanalítica voltada para a literatura, o sonho é feito um cozinheiro: faz um cozido com o que tem à disposição.
No meu caso, os ingredientes foram a carne que eu belisquei antes de dormir, a própria expectativa de uma vitória de Lula no primeiro turno e os documentários sobre o Museu do Inconsciente a que tenho assistido.
Isto, é claro, no campo do racional, do que está à flor da mente, do que é me possível recuperar.
Mas sonhar eu sonho.”
Sobre o autor
Radicado em Nilópolis, município do Rio de Janeiro, Cícero César Sotero Batista é doutor, mestre e especialista na área da literatura. É casado com Layla Warrak, com quem tem dois filhos, o Francisco e a Cecília, a quem se dedica em tempo integral e um pouco mais, se algum dos dois cair da/e cama.
Ou seja, Cícero César é professor, escritor e pai de dois, não exatamente nessa ordem. É autor do petisco Cartas para Francisco: uma cartografia dos afetos (Kazuá, 2019) e está preparando um livro sobre as letras e as crônicas que Aldir Blanc produziu na década de 1970.