Compartilhado por Sul 21 –
Quando os juízes da República de Weimar foram paulatinamente se rendendo à ascensão do nazismo e os integrantes do Sistema de Justiça da Itália pré-fascista foram se acomodando nos ódios classistas gerados por Mussolini, eles estavam prefigurando uma nova hegemonia – moral e intelectual – que mais tarde estaria configurada pela “indiferença” elitista de um Benedetto Croce, na Itália e na Alemanha por Martin Heidegger, nomeado Reitor da Universidade de Friburgo pelo Chanceler Adolf Hitler.
Tarso Genro (*)
Juízes, intelectuais fora e dentro do Estado, jornalistas, professores -homens e mulheres destacados em um determinado contexto cultural e político – sempre foram importantes para gerar crises e superar crises. É que ideias, bem como decisões baseadas em ideias, se transformam em força material para, como se fossem um cinzel delicado do tempo, moldarem os espaços de ação política, segundo o que vem do movimento espontâneo ou organizado das forças sociais em conflito.
A recente decisão do STF imputando de suspeição a conduta do ex-Juiz e fracassado Ministro da Justiça Sérgio Moro, que seguiu anterior decisão monocrática do Ministro Fachin, reconhecendo como inconstitucional a ampliação da jurisdição da República de Curitiba – destinada a encetar uma ação de lawfare contra um líder político odiado pelo Governo – mudou repentinamente a relação de forças na disputa política nacional. E Lula voltou ao cenário, triunfante, de forma legal e legítima.
A tutela dos direitos fundamentais, como o direito à ampla defesa e o tratamento igual, pelo Sistema de Justiça, das “minorias” originárias dos processos eleitorais, ergueu o princípio da legalidade à condição de fundamento incontornável da democracia constitucional. E mais: criou um bloqueio jurisprudencial aos sucessivos momentos de “exceção”, que vinham dando uma abertura inédita aos Juízes de instâncias inferiores, para não reconhecerem os direitos fundamentais, baseados na voz “mítica” do líder.
Se essa visão vai se integrar, plenamente, no processo político de reconstrução da nação ainda é cedo para dizer, mas, a abertura de um período mais rico e mais complexo das lutas contra o fascismo miliciano emergente – em defesa do direito fundamental à saúde e na luta contra fome e o arbítrio – podem passar a um novo patamar. Faltam, todavia, ingredientes básicos para mobilizar e politizar consciências, para retirar Bolsonaro do poder pelo “impeachment” ou legalmente interditá-lo.
As sucessivas crises “dentro da ordem”, promovidas pelo Presidente e seus apoiadores fascistas em todas as instâncias do Estado, não serão resolvidas pelo STF, mas sem iniciativas legítimas de resistência- vindas de “dentro do Estado” – o bloqueio do Estado miliciano cuja formatação está em curso, será mais difícil, mormente porque seus apoiadores já se dão o direito de, nas suas carreatas negacionistas, exibirem seus armamentos de grosso calibre. É a ameaça de “colombianização” sem guerrilha ou de uma “vietnamização” sem ameaça de revolução nacional-democrática.
O primeiro ingrediente básico que falta para uma resistência eficaz e uma “virada de jogo” no xadrez da democracia é a unidade das oposições democráticas, em torno do Programa da Carta de 88, para resistirmos unidos ao fascismo e derrubarmos o negacionismo.
O segundo ingrediente é o da unidade das esquerdas, para nos credenciarmos como força agregadora da unidade popular ainda precária. Digo “precária”, porque ela será naturalmente datada até o início dos processos eleitorais de 2022, mas não porque ela seja irrelevante para levar às melhores possibilidades de unidade a estas eleições.
Na próxima semana divulgaremos os resultados do Projeto República e Democracia: o futuro não espera, promovido pelo Instituto Novos Paradigmas (INP) e Instituto Defesa da Classe Trabalhadora (Declatra), com apoio da Revista virtual Democracia e Direitos Fundamentais (DDF). A base dos diálogos girou em torno da questão do Pacto Democrático de 88. A finalidade foi ouvir grandes personalidades políticas do país na busca de consensos estratégicos. A base do diálogo utilizou uma metodologia que objetivou buscar “pontos comuns” e não explorar os dissensos entre as esquerdas, constituindo “consensos superiores” e buscando unidade na pluralidade.
As transmissões ao vivo foram feitas pelas respectivas páginas do Facebook e Youtube, com retransmissão pela TVT, TVE Bahia, UOL ,Rádio Brasil atual FM, para a Grande São Paulo, Rede Soberania e jornal Brasil de Fato, alcançando milhares de pessoas. Será entregue aos partidos, proximamente, um documento com as sínteses da escuta dos destacados líderes progressistas e os cruzamentos de ideias que permitiram obter perspectivas consensuais.
Chegamos à conclusão que existem bases sólidas para a formação de uma grande unidade política para derrotar Bolsonaro e o fascismo, bem como para reencaminhar a questão nacional e democrática a partir desta unidade, se os partidos do nosso campo mostrarem vontade política e ânimo organizativo. Entendemos, aliás, como disse a companheira Benedita da Silva, na sua certeira simplicidade: “ou nos unimos ou vamos todos para o buraco”. Ou para um lugar muito próximo da sua margem.
(*) Tarso Genro foi governador do Estado do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, ministro da Justiça, ministro da Educação e ministro das Relações Institucionais do Brasil.