Por Nirton Venancio, cineasta, poeta, professor de literatura e cinema
Em 2008 os jornalistas Bosco Martins, Cláudia Trimarco e Douglas Diegues foram a Campo Grande, Mato Grosso do Sul, entrevistar Manoel de Barros. Foi uma das raríssimas vezes em que o poeta recebeu a imprensa em sua casa. Ele não se sentia à vontade em entrevistas. Com sua timidez de passarinho e simplicidade pantaneira, Manoel preferia atender às perguntas por escrito. Até mesmo nesse encontro respondeu à máquina em sua Olivetti.
Os visitantes adentraram com muito zelo a rotina do poeta, que acordava às 5h da manhã, tomava um copinho de guaraná em pó, caminhava 25 minutos, tomava uma xícara de café com leite, subia ao seu escritório “de ser inútil”, dizia, descia ao meio-dia, tomava dois uísques, almoçava e sesteava. No resto do dia ouvia música erudita, Chico Buarque, Paulinho da Viola… E ia para o alpendre admirar o crepúsculo que “emenda com o meu crepúsculo”, arrematava.
Um dos jornalistas, querendo saber sobre o tempo, a duração da vida, cita o ator italiano Vittorio Gassman numa entrevista em que achava que a vida deveria ser duas, uma para ensaiar, outra para viver a sério, pois quando se aprende alguma coisa, está na hora de ir. “Concorda com isso?”, indaga o repórter.
Manoel sorrir por trás dos óculos e do bigode, como diria seu amigo Drummond, vira-se para a máquina e datilografa:
“Concordo, sim. E até proponho uma solução científica. Seja esta:
O Tempo só anda de ida.
A gente nasce, cresce, envelhece e morre.
Pra não morrer
É só amarrar o Tempo no Poste.
Eis a ciência da poesia:
Amarrar o Tempo no Poste!
E respondendo mais: dia que a gente estiver com tédio de viver é só desamarrar o Tempo do Poste.”
A maravilhosa e surpreendente entrevista foi publicada na revista Caros Amigos, edição 117. Uma preciosidade para reler tanto quanto se volta ao encanto de seus livros.
Há dez anos o tempo de Manoel soltou-se do poste, não por tédio, mas em continuidade ao tratado geral das grandezas do ínfimo. “Viver nunca foi angustiante. Tirando o nunca até que venho bem até aqui”, refletia.
O poeta tinha 98 anos de infância na alma. “Eu não caminho para o fim, eu caminho para as origens”, epigrafou o seu tempo.
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Imgem do post: desenho do poeta, do livro “Celebrações das coisas. Bonecos e poesias de Manoel de Barros”, organizado por Pedro Spíndola, editado pela Fundação Manoel de Barros e Fundação Municipal de Cultura de Campo Grande, MS, 2006.