O terror é feito de chumbo

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Um garoto de 13 anos estava de carona na moto de um amigo, passeando pela vizinhança, na Cidade de Deus, favela da região de Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio de Janeiro. Estudava e frequentava uma escolinha de futebol na comunidade. Nenhum envolvimento com o crime. Aí a polícia chegou atirando e o atingiu. O garoto caiu da moto e os policiais foram lá e… chamaram ambulância? Colocaram o menino ferido na viatura e o levaram para o hospital? Prestaram primeiros socorros? Não. Executaram o garoto que já estava caído.

Por Renata Silver, compartilhado de Construir Resistência




Policiais na Cidade de Deus – Foto/reprodução

A PM do Rio de Janeiro já recebeu equipamentos de gravação de vídeo que podem ser acoplados ao corpo, presos às fardas. Nenhum dos policiais envolvidos na ação estava usando câmeras.

Uma borracharia vizinha ao local onde o menino foi executado tem circuito de vídeo, que captou e gravou as imagens da execução. O sistema é acionado e controlado por celular, sob responsabilidade do dono do estabelecimento. Os policiais conseguiram hackear o sistema de vídeo da borracharia e apagaram o trecho da gravação em que aparece a execução do garoto de 13 anos.

Acabou por aí? Não.

A comunidade, revoltada, organizou um protesto. Pacífico. Cobriram várias casas com panos pretos, para marcar o luto, e levaram balões brancos, simbolizando um pedido de paz. O ato público começou entre 18h e 19h. Mal tinha iniciado, chegou a PM com todo o aparato repressor de praxe para manifestações e, de quebra, só porque estava disponível, um blindado – o famoso Caveirão –, veículo usado em operações policiais de (suposto) combate a ações criminosas nas favelas. Teve tiro, bombas de gás, terror. Vi vídeo de uma bomba de gás sendo atirada dentro de um carro que passava na região. Às 22h – mais de três horas depois de iniciado o protesto – ainda tinha caveirão, bala e bomba de gás horrorizando a CDD. Que estava protestando pacificamente contra a execução, por policiais, de um menino de 13 anos.

Na noite de ontem, por volta do mesmo horário, teve tiroteio intenso e prolongado em outra comunidade de Jacarepaguá, o morro do Jordão. Morro este que, em 2015, foi “vendido” pela milícia a uma facção de traficantes, como se o controle do crime sobre as vidas de milhares de pessoas não passasse uma simples transação comercial de “passagem de ponto”. Da minha casa dava para ouvir os tiros e estouros diversos, mesmo a uma distância linear (estimada) de quase 1,5 km.

O ministro e ex-deputado Marcelo Freixo presidiu CPIs na Alerj que investigaram as organizações criminosas em atividade no estado do Rio de Janeiro. Recentemente ele disse, em entrevista ao podcast Flow, que ainda tem esperança de que o estado supere a violência. Pensei: se ele, que anda com escolta da PF há mais de dez anos por ter enfrentado criminosos da mais alta periculosidade e que teve um irmão e a amiga Marielle Franco assassinados por milicianos, acredita que o Rio tem jeito, quem sou eu para discordar? Mas não consigo. O Rio de Janeiro está dominado pelas piores facções do crime organizado, tem suas instituições, dominadas por milicianos, corroídas por dentro e ainda está à mercê de poderosos líderes de seitas que de religiosas não têm nada.

Que o Cristo Redentor, que nos olha lá do alto do Corcovado, nos perdoe e nos proteja.

Renata Silver é professora e jornalista

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