Por Claudio Lovato em Museu da Pelada –
– Vocês estão malucos??? – o presidente rugiu em direção a todos e a ninguém em especial. O diretor de futebol imediatamente olhou para o gerente de futebol, que então virou-se para o técnico, que não tinha a quem se voltar e optou por olhar para o tampo da mesa.
– É o oitavo veterano que vocês contratam! Por acaso nós vamos disputar algum torneio de asilos? Hein? Hein??? – o presidente esbravejou, recostando-se em sua poltrona de espaldar alto, e depois fechou os olhos e usou os polegares para pressionar as têmporas latejantes.
– Oito jogadores em fim de carreira! E só um deles ganhou alguma coisa que mereça menção! Um bando de perdedores! Velhos e perdedores! Vocês querem me destruir! Só pode ser! – o mandatário prosseguia em seu desabafo repleto de fúria.
– Oito jogadores…! Ex-jogadores!!! Quatro jogadores com quase 40 anos! Vocês perderam o juízo??? Como que eu fui deixar isso acontecer??? Mas será que eu não posso nem tirar umas semaninhas de férias?!
O ano anterior fora um desastre, e o rebaixamento só não ocorrera por questão de um gol – que não aconteceu; o pênalti na última rodada defendido pelo jovem goleiro prata-da-casa Wilson Morais.
No fim desse ano tétrico e quase mortal, os comandantes do futebol do clube (o presidente excluído) decidiram que era hora de tornar o elenco mais cascudo. Seria necessário agregar experiência ao grupo. Deveriam ser acréscimos pontuais, mas uma combinação de fatores que envolveu indicações de conselheiros, esperteza de empresários e ansiedade dos dirigentes levou à formação de um time com excesso de veteranos. Nessa equação, porém, é fundamental incluir (e destacar) a insistência e o poder de influência do treinador Ary Santamaria.
Para o velho homem do futebol havia um objetivo subjacente: ele queria resgatar alguns dos guerreiros por ele comandados em outros tempos. Queria proporcionar-lhes uma última oportunidade de provarem seu valor e irem em paz para a aposentadoria, uma espécie de saideira que, para eles, fosse capaz de se tornar o melhor de suas festas individuais.
Os desafios começaram logo na pré-temporada, com a equipe da preparação física tendo que colocar em prática uma estratégia especial para a maioria do plantel – que resultou sem mortos nem feridos.
A imprensa fez a festa. Matérias pipocavam diariamente, a maioria delas num tom jocoso, piadístico. Uma das mais marcantes era acompanhada de uma charge que, mediante o uso de balõezinhos, mostrava Ary Santamaria cantando “Eu nasci há dez mil anos atrás”. O sarcasmo comandava o show da mídia.
O começo da campanha foi preocupante, confirmando as previsões (pessimistas? Realistas?) de muitos: uma derrota fora de casa na estreia e dois empates jogando em seus domínios.
O que aconteceu na sequência não foi um milagre e pode ser explicado em parte desta forma: Ary Santamaria armou seu time de uma maneira pragmática e eficiente. Seus antigos (e, fora de campo, problemáticos) atacantes Jaques e Mauro Carioca caíam pelos lados do campo e eram acionados o máximo de vezes possível por um meia-armador chamado Marcos David, que conseguira o feito de ter sido rebaixado jogando por três clubes diferentes em três anos consecutivos. O garoto da camisa 1, Wilson Morais, dava pinta de vir a se tornar, em breve, goleiro de nível seleção, e os dois zagueiros de área, cuja soma das idades chegava a 76 anos, deu à equipe uma segurança surpreendente. E também havia um lateral-direito de nome de Rossano, já grisalho, que parecia ter sido enviado ao mundo com o único propósito de bater faltas, mas que ao longo da carreira jamais dera a sorte de fazer farte de um elenco vencedor.
O time não foi campeão (este não é um texto de realismo mágico), mas o que ele conseguiu assombrou o país inteiro, incluindo sua própria torcida: um heroico quarto lugar no Campeonato Nacional daquele ano inesquecível.
Mas, talvez, de todas as explicações para o sucesso da equipe, a que causou mais impacto, pela sinceridade e pelo caráter didático e irrefutável, foi oferecida pelo técnico Ary Santamaria em entrevista logo após o último jogo da temporada, ainda sob o impacto da vitória por 3 a 1 sobre um rival histórico, ouvindo seu nome ser gritado pelo estádio lotado:
– Velho é o caralho!