O Tinder da reciclagem

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ONG paulista cria aplicativo para aproximar catadores dos interessados em descartar materiais recicláveis

Por Florência Costa, compartilhado de Projeto Colabora




Rodrigo Lucena, na Avenida Paulista, com sua carroça equipada com três aparelhos de TV. Foto Florência Costa
Rodrigo Lucena, na Avenida Paulista, com sua carroça equipada com três aparelhos de TV. Foto Florência Costa

Há quem os chamem de super-heróis com o pior dos poderes: o da invisibilidade. São os catadores de materiais recicláveis. Eles arrastam até 500 kg nas suas carroças e são responsáveis por quase toda a reciclagem feita no Brasil, mas não são notados pelos pedestres. Os motoristas até que os percebem, mas muitos os amaldiçoam. Há seis anos, a ONG Pimp My Carroça, criada em São Paulo pelo grafiteiro Mundano, procura torná-los visíveis e respeitados.  Tudo começou com artistas pintando suas carroças, transformando-as em objetos de arte. Até que o movimento teve, recentemente, uma grande ideia: criar um aplicativo que conectasse os catadores às pessoas e empresas que querem se livrar de materiais recicláveis.

A beleza do Cataki é que consegue atravessar bolhas sociais. Pessoas de classes sociais diferentes se encontrem, conversem e estabelecem relações. Isso ajuda a diminuir o preconceito

Assim nasceu o Cataki, apelidado de “o Tinder da Reciclagem”. Antes mesmo de completar um ano, o Cataki já foi premiado: arrebatou o Grand Prix de Inovação 2018 do Netexplo, em uma cerimônia realizada na Unesco, em Paris, em fevereiro.  O prêmio beneficia projetos de tecnologia com maior impacto social.

O Cataki concorreu com outros dois mil projetos. “A beleza do Cataki é que consegue atravessar bolhas sociais. Pessoas de classes sociais diferentes se encontrem, conversem e estabelecem relações. Isso ajuda a  diminuir o preconceito”, diz Breno Castro Alves, gerente de produtos e projetos da Pimp My Carroça.

Segundo ele, há 800 mil catadores no Brasil (inclusive os que catam no lixo). São 20 mil em São Paulo. O Cataki, que custou R$ 160 mil, funciona em 65 cidades e envolve 400 catadores. O carroceiro cadastra as suas informações pessoais, foto, telefone, e detalhe os materiais de interesse para coleta, além dos bairros que frequenta. O aplicativo possibilita que uma empresa ou pessoa física que precise do serviço possa escolher através de um mapa o catador mais próximo. “O catador só precisa ter um celular, não precisa de smartphone porque as pessoas ligam para ele”, explicou.

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“Os catadores coletam mais de 90% do que o Brasil recicla. Eles são fundamentais, mas recebem muito pouco”, afirmou Breno. “Fizemos um cálculo do impacto ambiental do trabalho deles. Após 30 anos de trabalho, um catador é responsável por evitar o corte de 100 mil árvores. Quantas pessoas podem dizer o mesmo? “, observou.

São gerados diariamente no Brasil cerca de 160 mil toneladas de resíduos sólidos urbanos e 40% desse total poderia ser reciclado, de acordo com a pesquisa “A Organização Coletiva de Catadores de Material Reciclável no Brasil”, publicada pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). No entanto, apenas 13% destes resíduos urbanos são levados para a reciclagem.

Objetos feitos a partir dos resíduos recolhidos nas ruas de São Paulo. Foto Florência Costa
Objetos feitos a partir dos resíduos recolhidos nas ruas de São Paulo. Foto Florência Costa

O compromisso da ONG com os catadores é total e a sua criatividade nas ações também. Quando a Pimp My Carroça alugou uma casa para ser sua sede no bairro de Pinheiros, teve que trocar os tacos do chão. “Não vimos os tacos como lixo, mas como matéria-prima. A gente deu os tacos para os melhores artistas de rua do país, que criaram carrocinhas, vendidas ali mesmo na sede ou online. A gente criou um acervo de mais de R$ 100 mil com as mini carroças e 25% das arrecadações do Pimp vêm da venda dessas miniaturas”, contou Breno.

O grande desafio é aumentar a renda dos catadores, diz ele. O preço dos materiais é muito barato. Os catadores conseguem vender um quilo de vidro, por exemplo, por no máximo 15 centavos. O quilo do papel e do plástico fica em torno de 20 a 30 centavos. Já o alumínio custa bem mais (R$ 4 por quilo) e por isso as latinhas têm uma taxa de reciclagem altíssima: 98%. Quanto mais as pessoas fizerem a triagem de papel, plástico, metal, mais valor esses materiais terão para os catadores.

Nos últimos anos os catadores têm se organizado, mas ainda há muito chão pela frente: só 7% deles estão em cooperativas.  Registros dos catadores datam do século 19 no Brasil. Essa atividade acompanhou todo o processo de urbanização e por isso é retratada em obras culturais há muitos anos. O poema “O Bicho” (1947), de Manuel Bandeira, e a peça de “Homens de Papel” (1968), de Plínio Marcos, são alguns dos exemplos, assim como o premiado documentário “Lixo Extraordinário”, de 2011, que mostra o trabalho do artista Vik Muniz com catadores do aterro no Jardim Gramacho (atualmente fechado), em Duque de Caxias, no Rio.

Rodrigo de Souza Lucena, 32 anos, é dos poucos catadores que conseguiu sair da invisibilidade. É conhecido no entorno da Avenida Paulista porque sempre deixa ali o seu carreto chamativo, pintado com grafites do Pimp My Carroça e equipado com três TVs. Lucena, que cata papelão e ferro, diz que consegue receber até R$ 4 mil nos meses de bom movimento, muito mais do que a maioria dos outros catadores, muitos dos quais se esforçam para conseguir ganhar R$ 1 mil por mês. Ele mantém as TVs ligadas por meio de um sistema de conexão elétrica clandestino, o chamado gato.

Fanático por esportes – seu sonho era ser jogador de futebol – Lucena sempre sintoniza em jogos brasileiros ou do campeonato europeu. Nascido no Rio Grande do Norte, Lucena – que nunca aprendeu a ler –  fugiu de casa quando criança e acabou vindo para São Paulo de carona. Sempre morou na rua e para sobreviver acabou virando catador. Lucena participou deste o início das atividades do Pimp My Carroça e teve o seu carreto decorado: “A carroça bonita, pintada, valoriza mais a gente, chama mais a atenção. Eu até sou parado para posar pra fotos”.

O Cataki, que custou R$ 160 mil, funciona em 65 cidades e envolve cerca de 400 catadores. Foto Divulgação
O Cataki, que custou R$ 160 mil, funciona em 65 cidades e envolve cerca de 400 catadores. Foto Divulgação

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