O tiro pela culatra e a lucidez do general

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Por Ulisses Capozzoli, Facebook – 

O último tiro de Mariano Rajoy, primeiro-ministro espanhol, do Partido Popular, foi um desses disparos que, em vez de sair pelo cano saiu pela culatra. O que significa dizer, pela parte de trás da arma e atingiu o atirador, não seu alvo. A votação catalã deste domingo, fortemente reprimida por Madri, na tentativa de sufocar o desejo de autonomia da Catalunha pode parecer uma questão interna da Espanha. Ou, quando muito, uma questão europeia. Não é. E se analistas conservadores colocam a questão neste plano é porque trabalham com uma física do século 19, anterior à mecânica quântica e à relatividade, para usar uma referência comparativa. 

Lorde Kelvin (1824-1907), figura de alto prestígio em sua época, disse numa reunião científica em 1900 que a física estava completa. Bastaria alguns refinamentos de medida. Disse, também, que o mais pesado que o ar, os aeroplanos, nunca voariam. Ainda em 1900 nasceu a mecânica quântica e, em seguida, a relatividade, que viraram a física de pernas para o ar, como uma tartaruga desengonçada. Em seguida, Santos Drummond e os irmãos Wright voaram, esgarçando as previsões de Lorde Kelvin.




Quanto à relatividade e à mecânica quântica, para continuar a metáfora, unificaram o que pareciam coisas tão diferentes como o tempo e o espaço, formando o contínuo espaço-tempo. Ou o aparente desconcerto da ordem que sustenta os fundamentos de tudo o que existe. Incluindo o que os físicos chamam de “emaranhamento quântico”, fenômeno ainda não suficientemente desvendado, entre outros impactos.

Os acontecimentos deste fim de semana na Catalunha integram a máquina do mundo e não poderia ser de forma diferente. A menos que se restrinja à física clássica. E ela também com seus paradoxos, como forças agindo à distância na gravitação newtoniana.

O Partido Popular (PP) de Rajoy é um mutante de siglas conservadoras contemporâneas do franquismo e a impressão digital do generalíssimo foi identificada na ação brutal da polícia despachada por Madri para reprimir o plebiscito catalão.

O PP espanhol tem, no Brasil, semelhanças com o DEM que já foi o Partido da Frente Liberal (PFL), dissidência do antigo Partido Democrático Liberal (PDS), sucessor da Aliança Renovadora Nacional (Arena), herdeira ideológica da União Democrática Nacional (UDN), etc.

Como os mutantes partidos políticos brasileiros, o PP espanhol também está sob o fogo cerrado de corrupção, a praga que assola a política em escala global, ainda que seja mais destrutiva em certas regiões do mundo.

Em abril passado Rajoy visitou o Brasil e foi recebido com tiros de canhão, execução de hinos nacionais e outras encenações formais que dissimulam o objetivo pragmático de visitas desse tipo: interesses econômicos.

E, claro, que, aqui, elogiou o inquilino do Palácio da Alvorada. A Espanha é o terceiro investidor no Brasil, atrás dos Estados Unidos e Holanda mesmo com a crise que se abateu por lá e fez com que pessoas sem ter como pagar as prestações de suas moradias fossem atiradas à rua. Até que a justiça local amenizasse a truculência histórica do poder financeiro.

Lembram-se do Banespa, que pertencia ao Estado de São Paulo e foi “privatizado?” Como os políticos paulistas são espertíssimos, e os espanhóis pouco mais que idiotas, a privatização foi feita e os idiotas dos espanhóis comemoram até agora. Concerto executado a três mãos pelos performáticos Mario Covas/Geraldo Alckmin e FHC.

Para encerrar: ontem, domingo, metade dos catalães compareceu para votar e 90,09% deles querem a autonomia numa escolha que Rajoy classifica como “farsa” e analistas políticos contemporâneos de Lorde Kelvin corroboram em seus artigos na mídia.

E nós, brasileiros, literalmente num beco sem saída? O que fazemos? Que, tal sob inspiração catalã, tal ir às ruas protestar e forçar mudanças como sugeriu, de forma surpreendente, o comandante militar do Sul, general Edson Leal Pujol? O general Pujol tem razão no que disse e não é preciso ser militarista para concordar com a avaliação e recomendação dele. O general identifica uma “insatisfação geral da Nação” acrescentando que “eu também não estou satisfeito”. E emendou, com clareza solar: “se ficarmos reclamando, insatisfeitos e inconformados, não vamos mudar as coisas”.

E, claro que elas precisam ser mudadas. O mais rapidamente possível.

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