O Vigia

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Por Claudio Lovato Filho, jornalista e escritor

 

 

 

 

 

 

 

 

Eram duas e meia da madrugada quando os ruídos começaram. Primeiro foi a porta pesada sendo aberta: o ranger das dobradiças enferrujadas, o ferro arrastando no cimento. Depois, os passos. Então a bola quicando e depois chutada com força na parede.




O vigia do velho estádio desativado se levantou da cama de campanha, pegou a lanterna e o porrete que sempre mantinha ao alcance da mão e, de pé, no escuro, tentou apurar a audição. Concluiu que o invasor estava no corredor que levava dos vestiários à escadaria de acesso ao gramado.

Ele saiu do cubículo que fazia as vezes de quarto e atravessou o salão que, em outros tempos, abrigava as mesas de sinuca e de carteado nas quais os jogadores concentrados se distraíam, lugar que ele, o vigia, frequentou por muito tempo quando era jogador do clube dono daquele estádio. Hoje não há mais mesas de sinuca nem de carteado, o estádio deixou de ser usado, o clube não existe mais e ele é apenas um vigia.

Decidido a surpreender o intruso, ele acendeu a lanterna, abriu a porta e, com um salto quase cômico, pulou para o corredor. Ficou desorientado ao não ver ninguém. O barulho da bola na parede havia cessado de repente.

Empunhando a lanterna e o pedaço de pau foi caminhando pelo longo corredor até a porta de ferro, que estava entreaberta. Ele tinha certeza de que havia trancado a porta à chave – chave que apenas ele possuía, ou ao menos dessa forma acreditava.

Assim foi a primeira vez.

O vigia tinha receio de que o tomassem por desequilibrado ou medroso, e por isso preferiu guardar aquilo para si, mas um dia, quando já haviam ocorrido outros dois episódios, ele decidiu surpreender o invasor e, em vez de se recolher no cubículo após a última ronda do dia, posicionou-se num nicho na parede anteriormente ocupado por um armário em que era guardado material de rouparia e ali permaneceu.

Depois de três madrugadas consecutivas de campanas inúteis, na quarta noite, já perto das onze e meia, ele ouviu a porta de ferro ser destrancada e, lentamente, aberta.

O invasor entrou, com a bola debaixo do braço. Vestia roupa toda preta e usava um capuz.

Quando se voltava para empurrar a porta, o vigia acendeu a lanterna, ergueu o cassetete improvisado e gritou para que ele ficasse parado – um grito trêmulo, agudo, desafinado –, mas quando o intruso se virou o que o vigia viu diante de si foi uma versão mais cansada e triste e ameaçadora dele próprio, que lhe disse assim:

“Corra!”

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