Por Luis Nassif, Jornal GGN –
Capítulo 1 – o grande mestre Gilmar Mendes
Nos jogos do poder, o Ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal) é grande mestre. Ousaria compará-lo ao imortal Raul Capablanca, o campeão cubano que encantou o mundo no início do século, com seu estilo claro, lógico, linear e fulminante.
Seu grande adversário foi o russo Alexander Alekhine, com um estilo complexo, cheio de nuances, que acabava embaralhando o adversário. Só depois do jogo terminado, os adversários encontravam saídas para as complexidades colocadas por Alekhine.
No embate entre ambos, pelo título mundial, Alekhine venceu. Consta que graças ao estilo bon vivent do cubano, que se dispersava entre corridas de cavalo e libações noturnas. Não é o caso de Gilmar, cujas obsessões se resumem ao jogo político-jurídico e à sua IDP (Instituto Brasiliense de Direito Público). Não deixa de ser seu calcanhar de Aquiles, mas que poucos ousaram explorar.
Capítulo 2 – a presunção da competência política da Lava Jato
No primeiro tempo, a Procuradoria Geral da República e a Lava Jato conseguiram o feito histórico de terem derrubado uma presidente da República. Julgaram-se os reis da cocada preta.
Esse tipo de onipotência os tornou descuidados. Não se deram conta que o embate foi contra o mais ingênuo e indefeso governo da história. A frente ampla garantiu-lhes a blindagem para toda sorte de abusos e um deslumbramento provinciano. Julgaram-se acima do bem e do mal e, especialmente, acima do STF (Supremo Tribunal Federal).
Parcerias com a mídia não são institucionalizadas, mas pontuais, obedecendo aos interesses de ambas as partes. Além disso, a mídia – e a opinião pública – movem-se por eventos, alimentados por fatos reais ou factoides. E Gilmar e José Serra sempre foram mestres na arte de criar factoides jornalísticos.
O deslumbramento levou o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima – o mais agressivo e político da força tarefa – a confrontar decisão do Ministro Dias Toffoli de ordenar a libertação do ex-Ministro Paulo Bernardo. E foi criando pontos de vulnerabilidade para o xeque de Gilmar.
Capítulo 3 – a delação da OAS
O que está em jogo é a delação da OAS.
Há duas empreiteiras na fila. As delações da Odebrecht apontarão preferencialmente o financiamento de campanha através de caixa 2. Delatarão Paulo Preto. Se a Lava Jato quiser pegar José Serra e Aloysio Nunes, terá que apertar Paulo Preto.
Já as delações da OAS visariam apontar corrupção explícita dos políticos, especialmente de José Serra – isto é, dinheiro para enriquecimento pessoal.
Capítulo 4 – o xeque de Gilmar
Aí entra em cena Gilmar, com toda sua maestria e atrevimento.
Conforme explicado no Xadrez de ontem, o suposto vazamento contra Dias Toffoli se autodestruía em 30 segundos. Na própria denúncia já se fazia a defesa de Toffoli e os próprios blogueiros de Veja se incumbiam de defendê-lo. Trata-se de um factoide similar ao grampo sem áudio da conversa entre Gilmar Mendes e Demóstenes Torres, com ambos se auto-elogiando.
Mesmo assim, tinha tudo para se tornar o mote para um xeque pastor em Janot e na Lava Jato. A sucessão de declarações dos procuradores da Lava Jato, os abusos, o carnaval em torno do decálogo de Moisés e outros atrevimentos foram criando ressentimentos cada vez maiores no STF. Nenhum Ministro se manifestava com receio de se tornar alvo de campanhas infames, como a que vitimou o Ministro Luís Roberto Barroso. É uma tarefa para Gilmar, o destemido.
Ele espera o momento, encontra o álibi na capa da Veja, e cai matando sobre a Lava Jato.
Xeque-mate de Gilmar em Janot? Não. Xeque duplo nas investigações, e explico.
Capítulo 5 – o xeque duplo
Há várias hipóteses sobre os autores e a motivação da denúncia:
Hipótese 1 – foi um membro da Lava Jato, aliado a José Serra e Gilmar Mendes, interessado em melar o depoimento da OAS.
Hipótese 2 – foi vingança de procuradores contra decisões recentes de Toffoli.
Hipótese 3 – partiu dos advogados da OAS.
As duas primeiras são hipóteses verossímeis. A Hipótese 3 é a única absolutamente inverossímil. Primeiro, pela constatação do próprio Janot, que não havia nenhum anexo nas preliminares da delação versando sobre a tal reforma na casa de Toffoli. Janot diz que seria impossível ao MPF vazar essa informação, porque não existia. Se não existia, como atribuí-la aos advogados da OAS? E a troco de quê eles divulgariam uma informação contra um Ministro do STF, que qualquer amador saberia que poderia comprometer a delação?
E, no entanto, Janot tratou rapidamente de difundir a tal versão, anunciando a suspensão das negociações com a OAS.
Não havia lógica. Era evidente que a tal capa foi um factoide visando anular a delação da OAS. A troco de quê o ladino Janot, que dispõe de vários oficiais generais analisando a conjuntura, não captaria as intenções do factoide?
Há duas hipóteses para explicar a decisão de Janot:
Hipótese 1 – Janot piscou. Assustou-se com a possível reação do Supremo e saiu acusando os advogados da OAS, mesmo sem provas, antes mesmo de iniciar qualquer investigação, seguindo o padrão Lava Jato.
Hipótese 2 – Janot aproveitou o carnaval em torno do episódio para afastar de si o cálice da delação da OAS.
Aposto fechado na segunda hipótese.
Tem-se, enfim, um jogo em que Capablanca e Alekhine combinam a resultado final: Janot e Gilmar trocam tiros entre si, simulam um combate entre Darth Vader e Luke Skywalker e ambos conseguem chegar ao mesmo resultado: a anulação da delação da OAS salvando Serra, Aécio e, democraticamente, possivelmente algumas cabeças do PT.
O jogo termina empatado com Gilmar e Janot vitoriosos. E, em um arremate elegante, Gilmar declara que a delação não deveria ser suspensa, para permitir a Janot o ultimo lance do jogo.
De fato, um clássico do xadrez político.