O zigue-zague político de Hugo Motta

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Hugo Motta inicia sua presidência na Câmara sem definir um rumo

Por Jorge Mizael, compartilhado de ICL




A eleição de Hugo Motta (Republicanos-PB) para a presidência da Câmara dos Deputados marcou o fim da era Arthur Lira e o início de uma gestão cercada por expectativas e incertezas. Com 444 votos, Motta conquistou uma vitória expressiva, mas também herdou um desafio proporcional ao seu resultado: manter coesa uma base de apoio ampla e heterogênea. Ao reunir votos de bolsonaristas, governistas e independentes, o novo presidente da Câmara precisa equilibrar interesses divergentes e administrar as pressões que já começam a moldar os rumos de seu mandato.

Se por um lado Hugo Motta demonstra intenção de consolidar um protagonismo próprio, por outro, seus primeiros movimentos à frente da Casa indicam uma estratégia de zigue-zague político. Em menos de duas semanas, ele oscilou entre gestos simbólicos e declarações ambíguas, tentando se posicionar como um líder independente, sem perder a confiança dos grupos que foram decisivos para sua eleição. Sua postura pode se tornar um problema: ao tentar agradar a todos, corre o risco de não satisfazer ninguém.

A trajetória de um presidente da Câmara é definida por sua capacidade de construir uma base sólida e manter controle sobre a pauta legislativa. Motta, no entanto, enfrenta uma conjuntura complexa. O Centrão, tradicionalmente pragmático, cobra reciprocidade política. O governo observa com cautela cada sinal de autonomia. Já a direita bolsonarista, que ajudou a elegê-lo, desconfia de suas reais intenções. O dilema é claro: se insistir no caminho da ambiguidade, pode se ver isolado em meio ao tabuleiro de forças políticas que ajudou a montar.

Nos próximos meses, a grande questão será se Hugo Motta conseguirá estabelecer uma identidade própria sem perder a sustentação política necessária para liderar a Câmara. Afinal, em um parlamento altamente fragmentado e radicalizado, quem não define um rumo cedo pode acabar sem caminho algum.

Um início simbólico e midiático

Desde sua posse como presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta aposta em gestos carregados de simbolismo e em uma estratégia de comunicação digital agressiva para marcar sua identidade política. Seu primeiro grande ato à frente da Casa foi erguer a Constituição Federal e declarar, em tom categórico, “tenho nojo da ditadura”.

A referência direta a Ulysses Guimarães e à luta pela redemocratização não foi um gesto aleatório: ao evocar um dos momentos mais emblemáticos da história do parlamento brasileiro, Motta buscou se distanciar de qualquer associação com o autoritarismo e reafirmar seu compromisso com a institucionalidade democrática. No entanto, a recepção do gesto não foi uniforme. Enquanto setores progressistas viram a declaração como um aceno positivo, parte da direita bolsonarista — que também compôs sua base de apoio na eleição — recebeu a fala com desconfiança.

Além da retórica simbólica, Motta também tentou imprimir um caráter inovador à sua gestão logo nos primeiros dias. Anunciou a intenção de criar uma plataforma digital integrada entre os Três Poderes, permitindo o acompanhamento em tempo real das despesas públicas. A proposta, embora ainda embrionária, sugere que sua presidência buscará se destacar pela modernização dos mecanismos de transparência e governança pública. O desafio, no entanto, será transformar essa ideia em um projeto concreto que tenha adesão do Executivo e do Judiciário, sem que a iniciativa seja vista apenas como um movimento de marketing político.

Outro grande diferencial de Motta em relação a seus antecessores tem sido o uso intensivo das redes sociais como ferramenta de comunicação e construção de imagem. Ele se tornou o primeiro presidente da Câmara a investir diretamente em um contato digital diário com a população, apostando em vídeos curtos e linguagem dinâmica para explicar pautas do Legislativo.

Dentro dessa estratégia, lançou o quadro “Dá um Hoogle”, uma série de vídeos para esclarecer dúvidas sobre o funcionamento da Câmara. O primeiro episódio, publicado no próprio dia de sua eleição, já acumula quase 600 mil visualizações, evidenciando a aposta em engajamento digital. No vídeo, Motta brinca com que muitos brasileiros recorreram ao Google para descobrir quem ele era e afirma: “Nada contra o Google, mas como agora a gente vai se encontrar aqui nas redes todos os dias, resolvi fazer meu próprio buscador. Bem-vindos ao Hoogle.”

Com essa abordagem simbólica e midiática, Hugo Motta tenta construir sua imagem como um presidente da Câmara moderno, conectado com a sociedade e defensor da transparência. No entanto, essa estratégia de comunicação precisa estar alinhada a decisões políticas concretas. Sem uma base sólida de sustentação, o risco é que sua gestão seja percebida como uma sucessão de gestos sem substância, incapaz de consolidar um legado.

A aposta na autonomia e o distanciamento do governo

Se os primeiros gestos de Hugo Motta à frente da Câmara dos Deputados foram marcados por simbolismo e comunicação digital, suas declarações sobre temas econômicos indicam uma estratégia mais calculada: a construção de uma identidade política independente do governo federal. Ainda nos primeiros dias de seu mandato, Motta fez questão de discordar publicamente de pontos do pacote econômico apresentado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, uma sinalização clara de que não pretende atuar como um aliado incondicional do Palácio do Planalto. Ao questionar aspectos da proposta, ele se coloca como um líder legislativo que busca protagonismo próprio, capaz de arbitrar disputas em vez de apenas referendar as decisões do Executivo.

Além do embate com a equipe econômica do governo, outro movimento de Motta reforça essa aposta na autonomia: sua defesa da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Semipresidencialismo. Como um dos autores da PEC, ele já demonstrou interesse em reabrir essa discussão, que propõe uma mudança estrutural na forma como o Brasil é governado. Embora a proposta tenha pouca viabilidade no curto prazo, sua insistência no tema sugere que Motta quer ser identificado como um articulador de grandes reformas institucionais, o que poderia fortalecer sua posição na elite política e dar-lhe um discurso próprio para além das pautas cotidianas da Câmara.

No entanto, manter essa postura independente sem alienar os setores que foram decisivos para sua eleição será um desafio constante. Motta foi eleito com votos de governistas, bolsonaristas e parlamentares do Centrão, um arranjo que, por natureza, é instável. Se pender demais para o governo, perderá a confiança da direita que ajudou a elegê-lo. Se endurecer demais contra o Planalto, pode afastar setores pragmáticos do Congresso que esperam uma relação funcional com o Executivo. E se insistir na ambiguidade por tempo demais, arrisca perder credibilidade entre todos os lados.

A presidência da Câmara exige habilidade para conciliar interesses sem se tornar refém de contradições políticas. No momento, Motta tenta se equilibrar entre um discurso de independência e a necessidade de manter apoios essenciais para a manutenção de sua liderança. O problema é que, em Brasília, quem fica muito tempo no meio do caminho costuma ser atropelado pelos acontecimentos.

Entre pragmatismo e risco político

A presidência da Câmara exige um equilíbrio delicado entre a arte da negociação e a necessidade de comando. Desde que assumiu o cargo, Hugo Motta tem buscado se apresentar como um mediador, capaz de transitar entre os diferentes espectros políticos e evitar confrontos desnecessários. No entanto, essa tentativa de agradar a todos pode, paradoxalmente, deixá-lo vulnerável. A ausência de uma linha política bem definida gera insegurança entre aliados e abre espaço para que diferentes grupos testem seus limites, colocando sua autoridade à prova.

Na prática, a condução de Motta começa a ser percebida como um movimento imprevisível. Se, por um lado, seu discurso sugere compromisso com pautas estruturantes, como a modernização administrativa e a transparência, por outro, sua falta de posicionamentos firmes em questões-chave pode comprometer sua capacidade de articulação. Para um presidente da Câmara, hesitação demais pode ser interpretada como fraqueza. Se os parlamentares sentirem que ele não consegue impor uma direção clara à Casa, a tendência natural será a fragmentação de sua base e a redução de sua influência.

O maior risco para Motta é o isolamento político. Seus antecessores que se mantiveram no topo do jogo por mais tempo — como Eduardo Cunha e Arthur Lira — tinham algo em comum: um comando assertivo e uma base fiel. Sem um grupo político disposto a defendê-lo nos momentos de tensão, qualquer presidente da Câmara pode ser rapidamente descartado pelas forças que o elegeram. No caso de Motta, a falta de um eixo bem definido pode transformá-lo em uma peça descartável do tabuleiro político, especialmente diante de um Congresso que opera sob a lógica da eficiência política e da reciprocidade imediata.

O tempo joga contra Hugo Motta. Se não consolidar uma identidade clara de comando e uma base de sustentação que o veja como um líder confiável, pode acabar sendo engolido pelo mesmo pragmatismo que hoje tenta administrar. Afinal, na política, quem não impõe regras logo cedo acaba jogando conforme as regras dos outros — e, muitas vezes, paga caro por isso.

Qual será o caminho de Hugo Motta?

A presidência da Câmara não permite indefinições por muito tempo. Hugo Motta iniciou sua gestão tentando equilibrar apoios e demonstrar autonomia, mas a grande incógnita permanece: até onde essa estratégia híbrida pode ser sustentada sem comprometer sua credibilidade e base de sustentação política? Se a tática do zigue-zague lhe garantiu um início relativamente tranquilo, a lógica da Casa impõe um prazo de validade para essa abordagem. Quanto mais tempo ele adiar uma definição clara sobre seu eixo de atuação, maior o risco de que sua autoridade seja questionada e seus aliados, antes dispersos, comecem a buscar novas lideranças.

O tempo será um fator determinante. Motta precisará consolidar um estilo próprio antes que as pressões internas o forcem a se definir de maneira reativa. O Centrão cobra pragmatismo e resultados concretos. O governo busca estabilidade e previsibilidade nas negociações. A oposição exige um espaço de influência. O desafio do novo presidente da Câmara será encontrar um equilíbrio entre essas forças sem se tornar refém delas. O que está em jogo não é apenas sua sobrevivência política, mas também o legado que deseja construir. Será ele um presidente de passagem, que apenas administra o funcionamento da Casa, ou tentará imprimir uma marca própria que o projete para voos mais altos?

Ainda é cedo para cravar qual direção Hugo Motta tomará. Mas, em Brasília, hesitação demais pode custar caro. O tempo dirá se sua estratégia de zigue-zague é um jogo de cintura bem calculado ou apenas o prenúncio de um presidente da Câmara sem rumo definido.

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