“Objetivos políticos da Lava Jato são claros”

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Por Tereza Cruvinel, Brasil 247 –  

Em entrevista ao 247, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias, aponta os excessos e distorções da Operação Lava Jato e fala de sua preocupação com o conjunto de ameaças reais ao Estado Democrático de Direito que vem se ampliando.

Em nome do combate à corrupção, diz ele, a cruzada moralista, que tem objetivos políticos claros, vem quebrando importantes garantias constitucionais, como o devido processo legal e a presunção da inocência.




Na pasta que ocupa desde o ano passado, ele persegue duas prioridades: uma, avançar na reforma agrária, aumentando o número de famílias assentadas. “Pessoas não foram feitas para viver debaixo de lona”, diz ele, reconhecendo que em seus governos, o PT não fez tudo o que precisava ser feita nesta área.

: Sua outra prioridade é fortalecer a agricultura familiar, através do crédito, da assistência técnica e de garantias de acesso ao mercado, inclusive através de compras e preços garantidos pelo governo.

Hoje, o governo já é obrigado a comprar da pequena agricultura pelo menos 30% dos alimentos que adquire. Patrus vem se batendo para ampliar esta percentual e também para recuperar as verbas do ministério, que este ano sofreram um corte de 50% no orçamento.

A entrevista:

247 – Como o senhor vê o atual estágio da crise política?

Patrus Ananias – Tenho percebido em todas as pessoas, razoáveis e preocupadas com os destinos do país, uma grande apreensão com o quadro político. Todas se perguntam: onde vai dar tudo isso? Até quando o país aguenta? Uma fonte de preocupação é com o crescente grau de intolerância e sectarismo, que compromete o pluralismo, a convivência entre diferentes formas de pensar e diferentes posições políticas. Este ódio ao outro, esta divisão que se aprofunda, tudo isso representa uma ameaça à própria democracia. Uma outra preocupação é com a forma, a meu ver equivocada, com que o problema da corrupção está sendo enfrentado. Os valores éticos e republicanos precisam ser fortalecidos, mas a questão da corrupção deve precisa ser discutida e combatida com uma perspectiva mais ampla, histórica e cultural, revisitando o patrimonialismo que sempre marcou as relações entre as elites e o Estado no Brasil. Um debate fulanizado e estas ações claramente direcionadas para um partido, como acontece agora em relação ao PT pela Lava Jato, não resolverá nada. Além de unir, precisamos atualizar nosso sistema político, criando regras para moralizar o financiamento de campanhas e a relação entre partidos, políticos e empresas. Isso é tão ou mais importante que prender e condenar pessoas, mas não se está cuidando disso.

247 – E por que, apesar destas limitações e dos excessos, a Lava Jato tornou-se intocável?

Patrus – A Lava Jato ninguém questiona temendo ser acusado de conivência com a corrupção, e esta é outra decorrência do sectarismo e da intolerância. Mas hoje está muito claro aonde querem chegar toda esta cruzada moralista.

247 – Ao impeachment da presidente…

Patrus – Existem os objetivos políticos, que são muito claros, mas a condução destes processos judiciais tem representado também uma ameaça à democracia. Tem faltado respeito ao devido processo legal, ao direito ao contraditório, à ampla defesa, à presunção da inocência até prova em contrário. Tudo isso é muito perigoso e não podemos aceitar passivamente. Aplica-se na esfera judicial e também na política, como por exemplo ao caso do senador Delcídio Amaral, que não pode ser cassado pelo Senado enquanto não for julgado e estiverem esgotadas todas as possibilidades de recurso.

247 – E existem as prisões preventivas prolongadas para forçar delações premiadas, muito criticadas pela comunidade jurídica…

Patrus – Forçar delação premiada é um procedimento muito questionável, do ponto de vista moral e jurídico. Primeiro porque este não é ainda um instrumento universalmente aceito pelo mundo jurídico, pelas as cortes e pelas constituições. No Brasil, é muito recente a lei que introduziu este mecanismo, já no primeiro governo Dilma. Há algo de inquisitorial nesta prática de subjugar o preso com a privação da liberdade, sem que esteja condenado, mediante alegações como risco de fuga, para forçá-lo a delatar. Sem falar no fato de que alguns criminosos vêm sendo premiados não só com a redução de penas, mas com o direito de ficar com parte do patrimônio acumulado durante o período em que cometeram ilícitos. E ainda há os vazamentos seletivos, destinados a atingir alvos políticos também selecionados. Do modo como as coisas estão sendo conduzidas, um criminoso que faz delação premiada acaba conquistando o papel de juiz. Conquista o direito de condenar pela simples menção ao nome de uma pessoa. A toda hora lemos e ouvimos dizer: “fulano de tal, mencionado na delação premiada de beltrano”. Mencionado, está condenado pela opinião pública. Então, a meu ver, são muitas as distorções neste modo de combater a corrupção e ministrar justiça. Os democratas, e principalmente os que viveram e sofreram o autoritarismo, não podem se calar diante destas ameaças ao Estado Democrático de Direito.

247 – E como tem sido dirigir uma pasta de alta sensibilidade social como a da Reforma e Desenvolvimento Agrário no meio de uma dupla crise como esta?

Patrus – Desafiador, mas também estimulante, apesar das dificuldades, como a poda do orçamento deste ano em 50%. Agora estamos negociando com a área econômica para recompor, pelo menos parcialmente, os recursos da pasta. Precisamos deles para avançar nas duas frentes programáticas quem são nossas prioridades.

247 – Quais são elas?

Patrus – Uma é avançar na reforma agrária propriamente dita e a outra consolidar e implantar novas políticas para o fortalecimento da agricultura familiar, algo muito importante em tempo de crise, afora os efeitos sociais permanentes. Além do mais, o cooperativismo é algo que precisa ser fortalecido porque tem também uma dimensão político-filosófica positiva. Reduz o individualismo, aumenta o sentimento de solidariedade e a prática da ajuda mútua. Na agricultura familiar estamos também introduzindo valores agro-ecológicos, como a redução do uso de transgênicos e de agrotóxicos.

Mas para que esta agricultura das pequenas famílias se consolide e contribua para o aumento da produção de alimentos saudáveis, o governo precisa garantir mecanismos de acesso aos mercados, inclusive através da compra direta por órgãos do governo. Estou muito empenhado nisso.

247 – E a reforma agrária, vai mesmo deslanchar?

Patrus – Admito que não fizemos, nos governos do PT, tudo o que era necessário nesta matéria, por um conjunto de razões. Em resumo, faltou ênfase. Agora vamos tentar recuperar o tempo e ampliar o número de famílias assentadas, tirando pessoas dos acampamentos e contribuindo para fortalecer a pequena agricultura e a produção de alimentos. Pessoas não foram feitas para viver debaixo de lona. Para acelerar este processo, criamos uma sala de situação na qual buscamos identificar os acampamentos existentes e quantificar as famílias e pessoas que demandam uma terra para viver e trabalhar.

247 – Ainda existem muitas terras disponíveis para reforma agrária?

Patrus – Estamos trabalhando intensamente na identificação das terras que são passíveis de destinação à reforma agrária, sejam elas publicas ou privadas, em condições de serem desapropriadas. Em meu primeiro despacho com a presidenta Dilma, como ministro, ela me disse: “Patrus, não podemos ter favelas no campo”. Concordei e estou procurando responder ao desafio dela.

247 – E a situação fiscal tem permitido?

Patrus – Apesar das dificuldades, no ano passado lançamos o Plano Safra da Agricultura Familiar com aumento de 20% nos recursos. Foram alocados R$28,9 bilhões a juros negativos. Depois lançamos o PMAC, pelo qual pelo menos 30% das compras governamentais de alimentos devem vir da Agricultura Familiar. Estamos estimulando o pequeno agricultor a buscar os empréstimos do Pronaf, apelando também ao Banco do Brasil e outros bancos para que facilitem o acesso, reduzindo a burocracia e o formalismo que amedrontam a gente mais simples do campo.

247 – E o que tem sido feito para aumentar o conhecimento técnico destes pequenos produtores, geralmente ainda adeptos de praticas rudimentares?

Patrus – Ah, sim, vamos investir muito na assistência técnica. Estamos implantando a Anater – Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural, que se articulará com as Ematers estaduais. Ela está juridicamente criada, mas ainda precisa de recursos para se organizar e estruturar. E complementarmente, precisamos garantir um preço mínimo ao pequeno agricultor. Ele planta na alta de preços e colhe na baixa. O governo precisa comprar estoques a um preço previamente garantido. Estocar alimentos, a meu ver, é uma política de soberania. É preciso exportar, mas também ter reservas para o enfrentamento de alguma crise, seja de sazonalidade ou de qualquer origem. Montei uma boa equipe e com ela acredito que vamos colher bons resultados nestas duas frentes fundamentais.

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