Oficinas do Choro Jazz em Festival no Cariri

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Pedro Amorim, Cacá Malaquias, Ney Conceição deram aula, literalmente, de samba, sopros, prática de conjunto, música para a vida. Confira como foi

Postado por Dalwton Moura, compartilhado do Blog da Música




na foto: Berta Vidal, de Barcelona, e Pedro Amorim, na oficina de samba, primeiro dia do Festival Choro Jazz no Cariri, no Centro Cultural, no Crato

O Festival Choro Jazz, tradicionalmente realizado em Fortaleza e Jericoacoara há 15 anos, aporta pela primeira vez no Cariri. Mais especificamente no Crato, no Centro Cultural do Cariri Sérvulo Esmeraldo. O grande encontro da música foi aberto nesta terça-feira, 17/9, com as oficinas que seguem até esta quinta, nos turnos manhã e tarde, atraindo estudantes da Universidade Federal do Cariri, músicos amadores e profissionais e até participantes de outros países.

De sexta a domingo tem shows com Moacyr Luz e Samba do Trabalhador, Egberto Gismonti e Orquestra à Base de Sopro de Curitiba, Tâmara Lacerda e Ranier Oliveira, Fabrício da Rocha e Júnior Crato, Baile do Ney Conceição, O Trio, Quartchêto, Gilberto Monteiro convida Sucinta Orquestra e Gustavo Garoto, Carlinhos Patriolino e Choro Cabuloso. Tudo com entrada franca, no evento apresentado pelo Ministério da Cultura e pela Petrobras.

As oficinas da tarde desta terça-feira se iniciaram com Pedro Amorim – integrante do grupo O Trio, juntamente com Maurício Carrilho e Paulo Sérgio Santos, que haviam comandado as oficinas pela manhã – dando uma verdadeira e aprofundada aula sobre o samba. Sua história, sua origem, suas matrizes, expressões, vertentes, características, acentuações. Formações e manifestações. 

Optando por semear pesquisa e reflexão, deixando a prática instrumental e vocal apenas para o finalzinho de seu primeiro dia de oficina, Pedro Amorim, o Pedrinho, mostrou diversas gravações em CD, com direito à leitura da ficha técnica, destacando os músicos, arranjadores, produtores, em um movimento diferenciado para a geração acostumada às playlists e plataformas que não dão os devidos créditos aos muitos artistas que compõem uma gravação.

Também indicou diversos livros, convidando os participantes da oficina a ir além da partitura e do esmero do estudo técnico da música. Entre eles, “O samba na realidade”, de Nei Lopes; “Uma História da Música Brasileira”, de Jairo Severiano, e “Batuque é um privilégio”, de Oscar Bolão. Segurando uma partitura, contou sobre outra ocasião em que perguntou o que era essa folha de papel. E alguém respondeu: “É uma música”. “Não. Não é uma música. É uma folha de papel com uma representação gráfica de uma música. Ela só se torna uma música quando é tocada. Assim como um texto de uma peça de teatro só se torna real quando encenado”. 

Com muita disposição em contribuir para aprofundar o conhecimento dos participantes da oficina sobre a história do samba, Pedro Amorim promoveu a escuta atenta de diversas músicas, ressaltando elementos importantes para a compreensão da história e do desenvolvimento do samba, e também abordou as diferenças entre o samba e o maxixe. 

E encerrou o primeiro dia de oficina convidando os participantes a tocar o clássico “Jura”, de Sinhô, datada de 1926 e popularizada mais recentemente por Zeca Pagodinho. Ao final da oficina, um diálogo com participantes como Berta Vidal, de Barcelona, que está no Brasil para estudar a nossa música e veio da Bahia ao Ceará, especialmente para curtir na íntegra o Festival Choro Jazz. Felipe Araújo, colega de samba de Fortaleza, também encontrou um portador para mandar um abraço e dar as boas-vindas ao mestre e amigo. 

Cacá Malaquias, mestre dos sopros, ex-integrante da Banda Mantiqueira e parceiro musical do caririense Cleivan Paiva, pegou então a bola de onde Pedrinho Amorim entregou. “Tô super animado. Acabou de acontecer a oficina de Pedrinho. E foi uma coisa maravilhosa que tá dentro do que a gente vai fazer agora. Ele falou sobre o samba, o maxixe e deu vários exemplos de escolas de samba. E o que vou fazer é pegar a ideia dele com instrumentos de sopro. O que ele falou com os instrumentos de percussão, vou fazer com os instrumentos de sopro. Então é uma maravilha. Ele passou a bola pra mim. Aquela bola de Pelé, de Rivelino”, comparou.

Cacá trabalhou minuciosamente a execução dos instrumentos de sopro, com os participantes da oficina. E a empolgação foi tanta que quando se viu já era hora de passar a bola ao último “oficineiro” da tarde: o contrabaixista, compositor, arranjador, produtor musical Ney Conceição, que traz ao Festival o show Baile do Ney. Muita gente chegou para participar da oficina de prática de conjunto com Ney, que fez questão de não tocar o contrabaixo, ficando bem ao lado do estudante responsável pelo instrumento, na prática desta terça-feira. Ney optou por reger a turma e passar preciosas orientações sobre como tocar coletivamente, ouvir um ao outro, atentar para a sensibilidade, procurar “mixar” conjuntamente, favorecendo que todos e todas sejam ouvidos, ao tocar junto.

O paraense Ney, radicado há mais de 30 anos no Rio de Janeiro, escolheu a “Bluchanga” do acreano João Donato, apontando-o como uma de suas maiores referências, para trabalhar com a turma todo o suingue e a malemolência da melodia de “Donas”. “É ‘A night in Tunisia’ do Donato”, brincou, sobre a melodia sinuosa e as semelhanças harmônicas entre as composições. E que privilégio, para os participantes da oficina, poderem contar com Ney Conceição como cicerone para amadurecerem e aperfeiçoarem tanto a execução conjunta da música, da primeira leitura da introdução, até as orientações para o baterista e para que todos atentassem: “É como uma orquestra. Se ficar um vazio, f… Um vai entrar antes, outro vai entrar depois, todo mundo vai se perder. Não pode ficar esse vazio”.

“Mais importante do que qualquer nota é o tempo. E o tempo vai estar dentro de você. Com a prática vocês vão começando a se soltar da partitura e a ir por conta, inclusive quanto ao tempo”, detalhou, constatando a evolução do grupo após cada take mas também cuidando de insistir na atenção necessária para evitar os vazios e para que a música soe fluida, suingada, intensa e ao mesmo tempo natural. 

“Vamos ouvir só os sopros. Os sopros vão tocar ligados. Se só um tocar stacato e os outros ligados, vai soar estranho. Mas se todos tocarem ligados, vai ficar muito bonito. Tem formações que só têm dois músicos de sopro, mas ele tocam tão ligados, tão perfeitos entre si, que quem ouve pensa que é um naipe de dez metais”, exemplificou, também coordenando os famosos diálogos entre os músicos, bem típicos do jazz, em que cada um improvisa por quatro ou por oito compassos. “Pode ser um chorus, podem ser dois. Mas não pode ficar longo demais, para não perder a conexão com o público. Isso é muito importante”. 

A turma, que incluiu os artistas Ranier Oliveira e Tâmara Lacerda, atrações da programação de shows do festival, se esmerou em fazer o melhor e em evitar as armadilhas, evoluindo após cada repetição da música, acompanhada pela equipe técnica do Centro Cultural do Cariri e pela produção do Festival Choro Jazz. “Agora vamos fazer da cabeça. ‘From the top’. Com introdução, com tudo. Valendo. Pra gravar! Depois vamos curtir”, celebrou Ney Conceição, interessado em comprar folhetos de cordel do Cariri, com especial destaque para “romances” de cunho infantil, para presentear o filho.

 Final de primeiro dia de Festival Choro Jazz e muitas lições que não cabem na partitura e vão ficar na memória e no coração dos participantes das oficinas. 

Dalwton Moura

Jornalista, produtor cultural, crítico musical, formado em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), tem mais de 20 anos de carreira. É músico, compositor, produtor cultural, articulador e divulgador da cena cearense, tendo lançado os discos “Futuro e Memória – Grandes Nomes da Música do Ceará” (2018, com Rogério Franco e mais de 30 músicos de cinco gerações); “Sonho ou Canção”; (2019, com Luciano Franco e mais de 40 músicos de Ceará, São Paulo, Rio de Janeiro e Estados Unidos) “Velho Menino” (2019, EP em parceria com Rodger Rogério) “Milito Franco Moura”, (2020, EP em parceria com Osmar Milito e Luciano Franco) “Futuro e Memória 2 – Música do Ceará”, com álbum e especial audiovisual (2021), reunindo 15 músicos de cinco gerações). Foi repórter de política e de cultura, editor de cultura no Diário do Nordeste, de 2001 a 2010. Foi professor substituto na UFC. Foi coordenador de Comunicação da Secretaria da Cultura do Ceará (Secult). Foi coordenador de políticas para a Música, da Secultfor. É autor do livro “Nos Acordes do Jazz & Blues”.

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