Por Mariama Correia, compartilhado de Projeto Colabora –
Para ambientalistas, quantidade de petróleo retirado do mar e das praias é somente pequena parte do desastre ambiental
Ao longe, a bela imagem do mar, que se revela na vista panorâmica do auditório onde aconteceram os principais debates da Conferência Brasileira de Mudanças Climáticas, no Recife (PE), não mostra sinais de contaminação. Apesar da aparente normalidade, os efeitos do derramamento de petróleo na costa ainda estão presentes, tanto em Pernambuco quanto em todos os estados do Nordeste que foram atingidos pelo maior desastre ambiental da história do litoral brasileiro.
Desde que o óleo, de origem ainda desconhecida, começou a manchar as praias nordestinas, mais de dois meses atrás, 323 localidades foram contaminadas em 107 municípios. Até agora, quase 6 mil (5,8 mil) toneladas do produto foram recolhidas desses lugares, de acordo com um levantamento do Consórcio Nordeste, que reúne os governadores dos nove estados da região. São praias, mas também são áreas de mangues e pelo menos 34 rios. Os impactos ambientais e também sociais da tragédia ainda estão sendo estudados. Mas alguns dos efeitos já são conhecidos e foram debatidos especialistas nesta sexta-feira (8), último dia de atividades da Conferência do Clima, que não poderia deixar a pauta de fora das discussões.
Nos primeiros momentos da tragédia, a chegada de grandes manchas de óleo mobilizou ações imediatas de limpeza e de contenção do material tóxico, por parte de voluntários e do poder público. Agora, com a redução do volume que chega às praias – embora o produto continue sendo trazido pelo mar em pequenas porções -, as atenções se voltaram para o dimensionamento os danos e para o cálculo dos impactos do desastre ambiental no longo prazo.
Até agora já se sabe que, pela extensão do território, a Bahia foi o estado com mais pontos de despejo. Foram 99 localidades atingidas pelo óleo, incluindo Abrolhos, onde fica um parque nacional marinho com grande diversidade de corais. Dentro do mesmo critério, o Rio Grande do Norte foi o segundo estado mais afetado, com 55 localidades, seguido por Pernambuco, com 53.
Em termos de volume de material recolhido, Alagoas está em situação pior. Ao todo, 2,1 mil toneladas de óleo foram retiradas do litoral alagoano, a maior quantidade entre os nove estados nordestinos. Em segundo lugar, Pernambuco recolheu mais de 1,5 mil toneladas de óleo de praias e de oito rios, em 13 municípios.
Os números alarmantes, contudo, representam uma parte do quadro geral. “O que foi limpo até agora é apenas a fração mais pesada do material. Outra parte, mais leve, se dissipou na água. Embora não seja visível, as substâncias dessa parte diluída podem alterar o metabolismo dos animais marinhos”, explicou a professora de Oceanografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Beatrice Padovani.
Os ecossistemas do litoral nordestino são diversos e extremamente sensíveis, segundo Beatrice. Por isso eles estão sendo comprometidos em dois momentos: primeiro quando o óleo chega, segundo quando ele é retirado. Quando o petróleo se deposita sobre os corais, eles sufocam. Mas a extração do material, por outro lado, precisa ser feita com cautela porque pode prejudicar esses seres vivos. Do mesmo modo, os manguezais também são extremamente vulneráveis já que o petróleo fica agregado às raízes e tentativas de limpeza podem reter o produto em camadas mais profundas do solo.
No caso dos estuários, áreas de encontro entre o rio e o mar, a baixa salinidade faz com que o produto tóxico se deposite no fundo. Assim a remoção fica mais difícil. Atualmente, algumas técnicas estão sendo testadas, já que os sistemas de contenção, que deveria impedir o avanço da mancha de óleo do mar para os estuários, não funcionou.
Pela complexidade do desastre e seus efeitos, que ainda estão sendo conhecidos, prever os desdobramentos é quase impossível. A própria professora Beatrice admite que a circulação de algumas correntes marinhas só estão sendo conhecidas agora, justamente por causa da movimentação do óleo pelo litoral brasileiro.
Um ponto que dificulta ainda mais ações e previsões é o total desconhecimento das causas do derramamento, que ainda não foram descobertas pelo governo brasileiro. Essa análise foi feita pelo presidente da Sociedade Internacional de Economia Ecológica, Clóvis Cavalcanti. “Não há precedentes para o que está sendo vivido no Nordeste”, ressaltou.
O fato é que a recuperação dos ecossistemas impactados pode levar décadas e, em alguns casos, há risco de nem acontecer, como reforçou a secretária-executiva de Meio Ambiente de Pernambuco, Inamara Mélo. “Muitos estudos ainda precisam ser feitos para entendermos quanto dessa tragédia ficará para as próximas gerações. Infelizmente sabemos que algumas coisas não poderão ser recuperadas, podemos ter perdido parte do patrimônio natural do litoral nordestino para sempre.”
Destruição em um ambiente já degradado
O enfrentamento do óleo não é o único desafio para os ecossistemas do litoral nordestino. Manguezais e recifes de corais têm sido suprimidos secularmente na costa brasileira pela poluição, pelo desmatamento e pelas mudanças climáticas, que ameaçam a vida nesses lugares que funcionam como berçários da vida e oferecem alimento para várias espécies.
Em agosto deste ano houve um branqueamento massivo de corais por aumento da temperatura das águas, que fez com que 90% dos corais da Bahia perdessem sua cobertura. Enquanto ainda estava se recuperando, o litoral baiano foi contaminado pelo petróleo.
“A grande quantidade de plásticos nos oceanos e nas áreas de mangue é outro problema grave. O óleo adere a esses materiais, então, se fosse feito um esforço massivo de limpeza do lixo, creio que já teríamos uma redução de até 50% dos impactos do derramamento”, afirmou a professora de Oceanografia Beatrice Padovani.
Questões de ordem política também colocam a diversidade do litoral em risco. Em meio ao desastre vivido no Nordeste, o Governo Federal, que falhou em ações de contenção do petróleo nas praias, retirou do Plano de Ação Nacional para áreas de mangue o item que previa ações para erradicar a carcinicultura, que é criação de camarões em cativeiro. Ambientalistas alertam que a medida fragiliza ainda mais os sistemas de proteção dos manguezais.
Pesca artesanal prejudicada
Se a dimensão ambiental do derramamento de óleo no Nordeste ainda não é conhecida, o aspecto humano da tragédia também é difícil de mensurar. No Nordeste, 90% das pessoas empregadas com a pesca são pescadores artesanais. O Norte e o Nordeste reúnem 80% dos pescadores artesanais do país. Esses profissionais foram os principais prejudicados pelo desastre ambiental porque, embora não haja proibição de consumo de pescados, a rejeição dos consumidores, que temem a intoxicação dos produtos, está paralisando a venda de peixes e crustáceos em todo o litoral nordestino.
O Governo Federal prometeu antecipar o seguro-defeso, no valor de um salário mínimo, para os pescadores das áreas afetadas pelo óleo. “Eles receberam o prazo de semana pra fazer um cadastro que deveria ter sido feito desde 2015”, criticou a pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco, Beatriz Mesquita. Ela lembrou que as populações que vivem da pesca artesanal são parte do meio ambiente. “Elas não são o outro lado da tragédia, são parte do meio ambiente que está sendo impactado”, esclareceu.
A pesquisadora dimensionou o problema. “Hoje o mercado de pescado está paralisado, pescadores e pescadoras estão sofrendo em suas comunidades. Eles não estão indo pescar porque não conseguem vender. A população precisa de uma resposta e informação qualificada em relação a esse mercado, e só a ciência pode dar”, afirmou Beatriz Mesquita, reforçando que a pesca artesanal é de extrema importância para a economia local. “Eles possuem um modo de vida peculiar. Pescam para vender e consomem o que pescam e precisam de visibilidade”, acrescentou,
Secretária-executiva de Meio Ambiente de Pernambuco, Inamara Mélo informou que está cobrando do Governo Federal o adiantamento do pagamento do benefício aos pescadores porque “as pessoas dependem disso para sobreviver”. O problema é que nem todos devem receber a ajuda porque, apenas em Pernambuco, 7,7 mil pescadores artesanais estão registrados no banco de dados do Governo Federal, mas esse cadastro não é atualizado desde 2015.