Ômicron obriga China a redefinir estratégia para a pandemia

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Com Jogos Olímpicos de Inverno à vista, acumulam-se surtos de covid. Pequim sabe que sua gestão da pandemia está sob severa crítica, também da população. Um fracasso teria consequências devastadoras, não só para o país.

Por Thomas Kohlmann, compartilhado de DW




Dynamic clearing – eliminação dinâmica – é o título dado pelos gestores estatais da pandemia na China à nova estratégia oficial para contenção de surtos regionais de covid-19 no país. De acordo com observadores, ela poderia representar uma guinada na política de Pequim no combate ao coronavírus.

Os líderes da China sabem que um fracasso de sua gestão da crise sanitária pode acarretar danos sociais e econômicos, e não só em âmbito nacional, como mundial. Renovados lockdowns transformariam o distúrbio das cadeias de abastecimento num estado permanente, e a queda do consumo interno achataria ainda mais o crescimento econômico da República Popular.

Os dirigentes já tiveram um gosto prévio desse perigo, quando habitantes irados da metrópole setentrional de Xian castigaram nas redes sociais as inflexíveis medidas de confinamento das autoridades, impedindo os cidadãos em quarentena doméstica de sequer saírem para fazer compras. Houve também denúncias de grávidas sendo recusadas pelos hospitais, mesmo nos últimos meses de gestação, resultando em abortos.

“Desse modo, a China começou a reescrever a narrativa”, comentou, em sua coluna para a agência de notícias financeiras Bloomberg, a especialista em mercados Shuli Ren. “A estratégia de covid-zero da China é uma quimera. Agora se trata exclusivamente de dynamic clearing.”

Promessas de prosperidade frustradas

Como os Jogos Olímpicos de Inverno começam dentro de poucas semanas, Pequim concentra a responsabilidade para a contenção do vírus mais fortemente nas mãos das autoridades locais, com vantagens óbvias para a liderança estatal e partidária, observa a financista. O resto do país pode seguir com a vida e a economia. E, caso haja problemas de abastecimento, como em Xian, basta colocar a culpa nos dirigentes locais e, conforme e caso, substituí-los.

As exortações das autoridades a mais consumo privado mostram quão grande é a pressão sobre o governo e o partido, desde a chegada da variante ômicron à China. Nas assim chamadas “zonas de baixo risco”, a população deve comprar, comer fora e gastar dinheiro durante as semanas de comemoração do Ano Novo chinês. E, onde isso não for possível, devido à atual situação de contágios, deve-se comprar online ou arriscar alguns yuans nos cassinos online – é o apelo aos cidadãos.

Carlos Casanova, encarregado de mercados asiáticos na administradora financeira Union Bancaire Privée (UBP), sediada em Genebra, explica: “As exportações poderão seguir estabilizando a economia da China. Mas será muito difícil aquecer o consumo privado, enquanto se insistir na abordagem de zero covid.”

Não se deve esquecer que metrópoles como Xian, Tianjin ou Xangai, com sua população conjunta de 50 milhões e poder aquisitivo acima da média, são importantes centros de consumo privado, prossegue o analista em entrevista à Bloomberg TV. Este seria um dos motivos por que o crescimento econômico nacional no primeiro trimestre se limitará a 3% em relação ao ano anterior.

Em comparação com as taxas de dois dígitos dos anos de expansão do país, para muitos o fato é não só decepcionante, mas um tapa na cara das promessas de prosperidade com que o Partido Comunista consegue garantir o respaldo da grande maioria dos chineses, mesmo em tempos de crise.

Casanova está convencido de que a insistência na política de zero covid fará de 2022, “com segurança, a decisiva pedra no caminho” da conjuntura chinesa. Acrescente-se o clima negativo que emana do setor imobiliário abalado e a ameaça de outras ingerências do Estado e do partido na economia privada, como a já imposta por Pequim no setor de alta tecnologia.

Xi vítima do próprio êxito inicial

Nesse ínterim, discute-se também na República Popular o fato de as vacinas desenvolvidas no país serem pouco eficazes contra a variante ômicron do Sars-Cov-2. Até mesmo o diretor do Centro de Controle e Prevenção de Doenças da China, Gao Fu, admite: “Nossas vacinas funcionam até mesmo contra a ômicron, mas sua eficácia é seriamente limitada.”

Assim, os combatentes da pandemia se encontram diante de um impasse: a atual política de zero covid resultou em apenas poucos chineses infectados com o coronavírus, portanto a maioria dos 1,4 bilhão não tem praticamente nehuma imunidade contra a ômicron, capaz de escapar à proteção dos imunizantes chineses.

Em janeiro de cada ano, o think tank nova-iorquino Eurasia Group aconselha Wall Street sobre os dez maiores riscos para a economia mundial. Seu veredito é contundente: “Dois anos após o começo de sua propagação na China, o vírus continua fazendo estragos devastadores […] e a política mais bem-sucedida no combate a ele se transformou na de menos êxito.”

Desse modo, também a narrativa do governo de Xi Jinping, de que a gestão da pandemia seria superior à do Ocidente, se desfaz como uma bolha de sabão. Ter que admitir agora que só com as vacinas de mRNA da Pfizer-BioNTech ou da Moderna se conseguirá vencer a variante ômicron seria uma grave perda de credibilidade para a liderança chinesa e – para os padrões asiáticos – o pior castigo.

“A China se encontra numa situação extremamente difícil devido a sua política de zero covid, que em 2020 parecia incrivelmente bem-sucedida”, registram os especialistas do Eurasia Group. No momento, essa política só tem eficácia restrita contra uma variante muito mais contagiosa, apesar das medidas de confinamento cada vez mais duras e de uma alta taxa de vacinação.

Além disso, “a população não tem praticamente nenhum anticorpo contra a ômicron”. Isso é o contrário do que o presidente Xi deseja para a China às vésperas de seu terceiro mandato. “Mas ele não pode fazer nada contra: o sucesso inicial da zero covid e o papel pessoal de Xi nele tornam impossível uma mudança de curso”, concluem os analistas de Nova York.

O observador de assuntos chineses da Universidade de Oxford Thomas Hale tampouco acredita numa mudança de curso para breve, com base nas “declarações do governo desde o aparecimento da ômicron, apenas louvando a estratégia atual como sucesso” – apesar de o assunto estar sendo discutido na mídia chinesa.

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