Por Carlos Eduardo Alves, jornalista, para o Bem Blogado –
O Brasil está doente, sabemos. Desde o golpe parlamentar, ou até um pouco antes, inclusive a ordem burguesa foi colocada de pernas para o ar. No aparato do Judiciário, principalmente, a avacalhação sem fim deu o mau exemplo. Na vida cotidiana, a selvageria passou a ser incorporada. É tatuagem humilhante na testa de jovem, idoso com olho perfurado… Um horror sem fim. E, na Política, temos que conversar sobre Bolsonaro.
As pesquisas de intenção de voto até agora, embora tenham que ser lidas com cuidado dado a distância da eleição de 2018, apontam para a obviedade da liderança de Luiz Inácio Lula da Silva. Mas a subida de Bolsonaro não pode ser ignorada. Fenômeno passageiro? Talvez. O fato é que o fascista está em segundo lugar. Será que o Brasil já era habitado por simpatizantes da extrema-direita e não percebíamos?
O PSDB está destroçado e o que resta de esperança tucana é o prefeito higienista de São Paulo, João Doria Junior. O mauricinho enganador é vítima, parece, da concorrência de Bolsonaro na corrida pelo título de anti Lula. É de se supor, entretanto, que a grande mídia logo vá assentar a bateria contra o fascista, a fim de aplainar o terreno para a candidatura tucana, qualquer que seja.
Problema da direita tradicional? Não só. A estratificação das pesquisas ligam sinais de alerta, como se a simples vice-liderança do bronco já não fosse suficiente. A penetração de Bolsonaro entre os eleitores jovens assusta. O discurso medieval, de ódio, da antipolítica tem ressonância na faixa etária. É um fato inimaginável para quem foi jovem em décadas passadas, quando a esquerda praticamente monopolizava a geração mais generosa nos ideais. Mudou.
Não é exclusividade brasileira o surgimento com força da extrema direita. Estados Unidos e democracias burguesas estabelecidíssimas na Europa provam que essa não é uma jabuticaba. Mas aqui é novidade. É muito provável que, entre os adultos mais velhos, o eleitorado contra a esquerda e seus valores tenha sido abocanhado nas últimas décadas pelo PSDB, um partido que nasceu se reivindicando social democrata mas que foi se deslocando claramente para as posições conservadoras. A tentativa de explicação, todavia, não se aplica à adesão de parcela relevante da juventude a Bolsonaro.
Assim, é inevitável uma reflexão: quais as razões de a esquerda, depois de três governos bem-sucedidos, não conseguir barrar o avanço fascista? O tema é complicado, daqueles que desafiam cientistas políticos sérios (é outro dado recente a invasão de picaretas acadêmicos). Em que ponto falhamos, ou mesmo se falhamos? Uma pista, que talvez só toque na superficialidade, seria o peso das redes sociais. É conhecido o poder da direita nas redes, que substituem os jornais impressos como fonte de informação.
Mas aí esbarramos em outra interrogação. O sucesso das mentiras, montagens, adulterações que marcam as publicações da direita pressupõem, infelizmente, que os primitivos navegam no desconhecimento da população. Caberia aí uma crítica aos governos petistas, que não investiram, ou não tiveram condições de investir, primeiro no combate aos grupos que monopolizam a informação e, depois, na politização das conquistas.
Enfim, é debate para anos. Podemos não gostar, mas a doutrinação sobre meritocracia, que sabemos mentirosa e de combate frontal à luta de classes, teve sim sucesso parcial. Na juventude, o consumo também ganhou espaço.
Óbvio que aqui se fala de uma fatia expressiva da população e da juventude, mas não no todo. Até pelas dificuldades imensas que enfrentam hoje no tsunami da antipolítica, encontrarmos também uma molecada valorosa que não renuncia à luta por justiça social. Mas não dá mais para esconder que o campo progressista enfrenta uma situação nova, que preocupa imediatamente com a ascensão de Bolsonaro e, já no médio prazo, com a renovação de lideranças.
A esquerda nunca teve vida fácil, sabemos. Resiste forte desde sempre, apesar disso. O importante é parar de encararmos Bolsonaro como piada. É uma ameaça real já. O caricato, para nós, é razão para já muitos. Temos que encarar a discussão com fascistas, não se confortando com a chacota fácil. É a tarefa de curto prazo.
Depois de sepultar a besta primitiva, o dever de casa é tentar entender como o pensamento rasteiro avançou na juventude. Vai consumir muito tempo de muita gente boa, mas os progressistas devem ter o DNA que traz a ojeriza à preguiça.