Onde estamos? E que dia é hoje?

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Por Antonio Lassance, em Carta Maior – 

Esse presidente que foi xingado, odiado, constrangido e humilhado se chamava Juscelino Kubitschek. Seus detratores foram esquecidos, ele sobreviveu.

O Brasil está em polvorosa. Os ânimos estão extremamente exaltados e as acusações contra o governo são cada vez mais graves.

Para piorar o quadro, na economia só se vê e se ouve notícia ruim. Com o intuito de conter a inflação e garantir a confiança de investidores externos, o governo lançou um duro programa de arrocho com o objetivo de reverter expectativas negativas. Passado um tempo, mudou de ideia e desapertou o torniquete, pois as expectativas, ao invés de melhorarem, pioraram.




No entanto, essa presidência, desde o início, já dava sinais de que não acabaria bem. Seria fustigada por tentativas de golpe. Um dia, acabaria sucedida por uma oposição raivosa sustentada na crista de uma onda pretensamente moralizadora.
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A ânsia de limpeza ética do país vinha todos os dias embrulhada para presente em manchetes que denunciavam fatos muito graves; alguns completamente verdadeiros, outros absolutamente falsos – uma diferença que, no final das contas, se tornou mero detalhe sem importância.

O cúmulo da decepção ainda estaria por vir. Começaram a surgir boatos de que um presidente outrora tão popular havia enganado a todos, em proveito próprio. Tinha presumivelmente montado uma camarilha, um bando que se organizava para assaltar os cofres públicos, durante o período em que ele esteve à frente do poder.

Muitos brasileiros haveriam de pensar: se ele era o presidente, e se as falcatruas de fato aconteceram, como poderia ele simplesmente não saber? Como, sendo o chefe do poder, não seria o próprio chefe da quadrilha? Enquanto acenava com proselitismo, com uma mão, o presidente roubava com a outra.

Uma certa imprensa autointitulada “livre” e “isenta” – faltou dizer “modesta”? Ou “presunçosa” e “hipócrita” seriam adjetivos mais apropriados? – chegou a afirmar que o presidente havia amealhado dinheiro suficiente para figurar como a sétima maior fortuna do mundo. Haja dinheiro para se chegar a tal patamar!

Diante do malfeito, porém, não restaria pedra sobre pedra. Em uma república, ninguém está livre de acusações. Anos depois de terminado seu mandato, esse presidente, candidatíssimo a alguma eleição seguinte, tratado por “corrupto” e “ladrão”, como se fossem parte de seu sobrenome, foi finalmente indiciado e chamado a depor para responder por seus “crimes”.

Intimado e intimidado, o ex-presidente apareceu e depôs. Ficou sentado em uma cadeira no centro da sala, sendo inquirido por trogloditas. Crispado, ali estava quem um dia foi muito poderoso. Agora, não mais.

Devidamente enquadrado, quem antes era um líder, dessa vez, produzia a imagem ideal para que fosse lembrado, na posteridade, como um criminoso. Os mais ávidos por destruí-lo cotidianamente poderiam guardar no bolso essa fotografia recortada e esfregá-la nas fuças de admiradores. Um artefato que pode ser sacado para provocar a vergonha no rosto de quem o encare, isso vale ouro.

Mas, afinal, onde estamos? Que dia é hoje? De quem estamos falando? Estamos no Brasil, nos anos de 1956, 1958 e 1965. Esse presidente que foi xingado, odiado, constrangido e humilhado se chamava Juscelino Kubitschek. Pensou que se tratasse de quem?

A maior façanha do povo brasileiro diante dessa História foi ter garantido que a memória de JK pudesse sobreviver ao cerco que contra ele montaram os grandes veículos de imprensa e o aparelho repressivo do Estado.

Em alguns períodos, quando a democracia não é capaz de sustentar uma imprensa verdadeiramente livre, focada em seu trabalho de informar e revelar, e não de distorcer; não no trabalho de derrubar governos; e quando as organizações repressivas (policiais, militares ou judiciais) ganham vida própria e se acham a própria República (como foi a tal República do Galeão, feita contra Vargas em 1954), ambas se tornam cães de aluguel de interesses escusos.

Por sorte, enquanto hoje todos sabem quem foi JK, ninguém mais se lembra dos nomes dos que o humilharam; dos que fingiam estar honrando a nação, limpando a República e salvando o país. Seus nomes figuram em letras muito miúdas dessa “página infeliz de nossa História”.

O azar é que, como dizia Voltaire, a história não se repete, mas as pessoas sim. Haverá sempre uma multidão de trogloditas renascidos, dispostos a lustrar armaduras ocas de velhos cavaleiros e a empunhar vistosos estandartes que, por trás de uma ilusão de nobreza, fazem tremular um ódio insepulto contra adversários políticos. Adversários teimosos. Parecem que só podem ser derrotados se forem massacrados fisicamente.

O que mais uma vez se repete é a sina por atacar uma democracia que, embora cheia de defeitos, ainda é melhor que qualquer regime ditado por trogloditas, os corruptos, os armados ou os togados.

(*) Antonio Lassance é cientista político.

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