Mais de 90 pessoas eram mantidas em cárcere privado e submetidas a situações degradantes
Por Leonardo Fernandes, compartilhado de Brasil de Fato
na foto: Defensoria Pública já monitorava o local após receber denúncias de violações de direitos - Divulgação Defensoria Pública do MS
A equipe do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura realizou, na última sexta-feira (25), uma inspeção na Comunidade Terapêutica Filhos de Maria, em Campo Grande (MS). A ação foi coordenada pelo Núcleo de Atenção à Saúde (NAS) e pelo Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh), e resultou na interdição do local.
Segundo nota da Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul, a comunidade terapêutica “funcionava de maneira irregular”. “A intervenção foi parte de um esforço contínuo da instituição para investigar denúncias de irregularidades em clínicas e comunidades terapêuticas”, diz o comunicado.
A defensoria já vinha monitorando o local após receber diversas denúncias de violações dos direitos dos pacientes. “Há algum tempo recebemos relatos sobre práticas de tortura, maus-tratos e supermedicação dos internos. Já vínhamos atuando nesse caso, e a inspeção foi um desdobramento natural do nosso trabalho”, declarou a defensora pública Eni Maria Sezerino Diniz, no comunicado publicado pelo órgão.
Segundo os relatos da defensora, 95 homens eram mantidos em condições degradantes, “muitos dopados e sem atendimento médico adequado”. Além de realizar a remoção dos pacientes, a defensoria acionou outros órgãos, como o Conselho Nacional de Psicologia e o Conselho Regional de Farmácia, além da Polícia Civil, chamada para colher os depoimentos e realizar o boletim de ocorrência. O suposto dono da comunidade terapêutica foi encaminhado à delegacia para prestar esclarecimentos.
Em nota, a Polícia Civil do MS informou que a investigação do caso está com a 3ª Delegacia de Polícia (DP). O comunicado diz ainda que “foi registrado um boletim de ocorrência por maus-tratos e cárcere privado e instaurado um Inquérito Policial para apurar as denúncias”.
Nos registros fotográficos divulgados pela Defensoria Pública é possível ver marcas de queimaduras de cigarro nos braços de um paciente, ferimentos não tratados, e as condições de insalubridade do local.
Imagens coletadas durante operação identificou situações de tortura, cárcere privado, maus tratos e medicação irregular, além das péssimas condições do local. / Divulgação Defensoria Pública do MS
Paciente tem marcas de queimaduras de cigarro pelo corpo, produto dos maus tratos sofridos na comunidade terapêutica / Divulgação Defensoria Pública do MS
Obrigação do Estado
O Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) faz parte do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, criado pela Lei n.º 12.847, de 2013. O órgão é composto por 11 peritos independentes, que têm a missão de fiscalizar as instalações de privação de liberdade, como penitenciárias, centros de detenção, hospitais psiquiátricos e abrigos.
De acordo com o governo, a instauração do mecanismo busca atender ao compromisso assumido pelo Estado brasileiro em 2007 com a ratificação do Protocolo Facultativo à Convenção Contra Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes da Organização das Nações Unidas (ONU).
Outro lado
O Brasil de Fato tentou contato com a administração da clínica, sem sucesso. O espaço segue à disposição.