Operação Spoofing: “Quem eh este cara? Este Marcelo (Auler)?”

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Acostumados a lidar com jornalistas que reproduziam tudo o que lhes repassavam, sem maiores questionamentos, alguns procuradores da República estranharam quando o blog “Marcelo Auler – Repórter”, desde 2015, apontava e questionava as ilegalidades cometidas pela Força Tarefa da Lava Jato de Curitiba.

Por  Marcelo Auler, compartilhado de seu Blog




Diálogos travados por eles em aplicativos aos quais o Blog teve acesso demonstram a preocupação e curiosidade daqueles que nos desconheciam ou conheciam apenas superficialmente. Foi o caso de José Robalinho Cavalcanti, em junho de 2015, em seu primeiro mandato na presidência da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). Na época os procuradores debatiam a formação da lista tríplice a ser encaminhada à presidente Dilma Rousseff para escolha do novo Procurador-Geral. Rodrigo Janot terminou reconduzido em 2015 para mais dois anos à frente da PGR.

A partir de uma reportagem que publicamos em 06 de junho de 2915 – Disputa na PGR: todo cuidado com os adversários -, surgiram tais questionamentos. A reportagem falava dos debates dos membros do Ministério Público Federal (MPF) sobre a formação da lista tríplice e citava comentários dos mesmos em grupos de WhatsApp. Criticavam a participação de colegas já aposentados que atuavam na defesa de acusados, como o deputado Eduardo Cunha. O tema foi discutido entre eles e nos foi repassado por fontes do próprio MPF.

Teoricamente, algo simples de entender, mas foi suficiente para um deles, Hélio, questionar se o editor desse blog estava grampeando a lista de conversa. Já o procurador do Pará, Alan Mansur, levantou a hipótese de o blog estar tendo “acesso privilegiado a lista membros” do MPF. Trouxeram ao debate, então, questões pessoais minhas que jamais interferiram no meu trabalho.

Em agosto, denúncias contra Força Tarefa

Na época eu me relacionava com uma procuradora regional da República, cujo nome por respeito preservarei. Era uma relação pública, embora não alardeada. Isso foi levado ao grupo pelo procurador do Rio, Luiz Lessa. Ele próprio, porém, admitiu meu relacionamento profissional com muitos membros do MPF do Rio. Ao final, dizia não querer insinuar nenhum vazamento de informação por parte das sua colega, minha companheira. Alegou que apenas quis mostrar as relações do jornalista na Procuradoria da República do Rio de Janeiro (PR-RJ).

Nessa relação pessoal, porém, havia o pacto ético de ela não comentar sobre seus trabalhos e eu jamais escrever sobre algo em que ela estivesse envolvida. Também não seria crível, por sua índole pessoal, ela me franquear as conversas da lista do MPF.  Impedimento esse que não existia entre outros procuradores com os quais me relacionava profissionalmente desde o início dos anos 90. Qualquer um deles poderia ter sido a fonte para aquela reportagem, jamais desmentida.

Cerca de dois meses depois, em agosto de 2015, o blog começou a divulgar matérias diretamente relacionadas com a Operação Lava Jato. Nenhuma delas alimentadas por informações de procuradores. Antes pelo contrário, uma vez que a Força Tarefa da Lava Jato de Curitiba, o juiz Sérgio Moro à frente, recusava-se a dar informações a um jornalista de um site teoricamente desconhecido. Preferiam, como sempre fizeram, a chamada mídia corporativa que reproduzia, sem qualquer espírito crítico, tudo o que os membros da chamada República de Curitiba lhes passava.

Já nessa primeira reportagem, de 20 de agosto de 2015 – Lava Jato revolve lamaçal na PF-PR – trazia informações críticas sobre algumas ilegalidades que vinham sendo denunciadas dentro da própria Superintendência Regional da Polícia Federal do Paraná (SRDPF-PR). Como os dois grampos ilegais descobertos: o primeiro na cela dos doleiros presos no inicio da Lava Jato; outro no hall da escada usado pelos policiais e servidores da SRDPF-PR como fumódromo. Escutas que, como noticiamos, visavam captar conversas privadas dos doleiros, bem com bisbilhotar as críticas dos servidores da PF à Operação Lava Jato. Ambas ilegais, pois sem autorização judicial.

Na ocasião mostramos também o início da perseguição que a cúpula da Superintendência empreendeu a policiais e advogados considerados “dissidentes”, por serem críticos aos métodos heterodoxos adotados pela Força Tarefa.

Inicialmente atingia o delegado Paulo Renato de Souza Herrera, o ex-agente Rodrigo Gnazzo e os advogados Marden Maués, de Curitiba, e Augusto de Arruda Botelho, de São Paulo, acusados de prepararem dossiês para desestabilizar a Lava Jato. Dossiês esses jamais encontrados. Posteriormente trataram como dissidentes o agente de Polícia Federal, Dalmey Fernando Werlang, que confessou ter feito a instalação dos dois grampos, sem saber que eram ilegais, e o delegado federal de Bauru, Mario Renato Castanheira Fanton, que em Curitiba foi quem descobriu e denunciou a versão verdadeira do grampo na cela, a partir do depoimento de Werlang.

Relação de confiança antiga

Nos diálogos dos procuradores agora revelados, Lessa chega a dizer que o editor desse blog acompanhava as operações da Procuradoria da República no Rio “e sempre foi mais leal com a gente do que com a PF”. Na realidade, desde os anos 90, quando ainda no jornal O Dia, solidificou-se uma relação de confiança com grande parte dos procuradores da República do Rio. Nem por isso deixei de ser denunciado por dois deles, quando entenderam que eu teria cometido crime. Denúncia que foi prontamente arquivada pelo magistrado.

Na época, foram muitas as notícias de irregularidades e crimes cometidos por policiais federais da Superintendência do DPF no Rio. Todas calçadas em documentos. Em geral, devidamente informadas ao então diretor-geral da PF, Vicente Chelotti, bem como ao então ministro da Justiça, Nelson Jobim.

Também foram diversas as notícias de ações bem sucedidas. Inclusive a Operação Phenix, presidida pelo juiz Sérgio Moro, que acabou por condenar o traficante Fernandinho Beira Mara pela sua atuação na fronteira do Brasil com o Paraguai, divulgada então pelo jornal Estado de S. Paulo, em 2007.

Mas as críticas contra as ilegalidades da Lava Jato não foram tão bem recebidas por muitos dos procuradores do Rio de Janeiro. Essas denúncias, acabaram nos gerando cinco processos movidos por delegados do Paraná. Só a delegada Erika Mialik Marena moveu três ações diferentes. Em todas, os advogados que nos defenderam pró Bono – notadamente, Rogério Bueno da Silva, no Paraná; Nilo Batista, no Rio; e Antônio Carlos Porto Júnior, no Rio Grande do Sul -, provaram, com documentos, a veracidade das notícias publicadas. No caso da delegada Érika isso foi registrado em: Perdeu, delegada Érika: 4 x 0! (ou 6 x 2), pois de oito sentenças, apenas duas – de um mesmo juiz – lhes foram favoráveis. Mesmo essas acabaram reformadas.

Delegado “Babaca”

Este acompanhamento que fizemos da Operação Lava Jato de Curitiba, nos permitiu ser um dos primeiros a confirmar o funcionamento do grampo ilegal na cela dos doleiros que a PF no Paraná alegava ser inoperante. Foram descobertas 260 horas gravadas.

Noticiamos ainda que duas investigações a cargo da Coordenadoria de Assuntos Internos (Coain) da Corregedoria Geral (COGER/DPF) da Polícia Federal, em torno do grampo ilegal na cela (IPL 01/2017) e das relações esdrúxulas da Força Tarefa curitibana com Meire Poza, a ex-contadora do doleiro Alberto Youssef (IPL 05/2016), foram paralisadas pelo Ministério Público Federal do Paraná. Arquivaram esses inquéritos por saberem que os resultados colocariam em dúvida a legalidade do trabalho da Força Tarefa.

A divulgação dessas informações, em 13 de fevereiro de 2017 – Coain/GOGER/DPF em Curitiba: o temor da Lava Jato -, foram motivo de novos comentários entre procuradores nos aplicativos. Naquele mesmo dia, Paulo, possivelmente um procurador, comentou nossa informação com o procurador-regional Januário Paludo (veja diálogo no quadro). Alertou-o de que anunciávamos a possibilidade de o delegado Marcio Magno Xavier, da Coain, indiciar delegados da Força Tarefa na investigação sobre o grampo ilegal na cela dos doleiros. Paludo, ao saber quem era o delegado, resumiu seu conceito sobre o mesmo: “é um Babaca”.

Ao confessar a instalação do grampo na cela dos doleiros, Werlang apontou como mandante os delegados Rosalvo Franco (superintendente), Igor Romário de Paula (coordenador regional de Combate ao Crime Organizado) e Márcio Adriano Anselmo (que chefiava a Operação Lava Jato com Marena). Jamais esses delegados foram investigados a respeito. Mas investigação que a COGER instaurou foi prontamente arquivada por Paludo e seu colega Antônio Carlos Welter.

Da mesma forma os procuradores impediram que Magno Xavier prosseguisse também na averiguação da relação da Força Tarefa com Meire Poza. Como noticiamos após o juiz Eduardo Appio levantar o sigilo decretado sobre esses inquéritos – Appio desarquiva investigação que Moro abafou – naquela época o delegado tentava fazer cruzamento dos números telefônicos que fizeram ligações entre si. Buscou, sem sucesso, autorização judicial para a quebra de sigilos telefônicos e telemáticos “de cerca de uma dúzia de delegados e agentes policiais federais que trabalharam na Operação Lavajato em Curitiba, entre fevereiro de 2014 a agosto de 2016”. Eram mais de 40 números de celulares e cerca de 30 endereços de e-mails de onze alvos: seis delegados, dois agentes de polícia, um escrivão e dois civis.

“Fakeblogs”, mas incomodaram

Appio decidiu desarquivar tais inquéritos, remetendo-os à Polícia Federal para verificar se ainda há investigação a ser feita. Como o caso pode envolver também o hoje senador Moro, que na condição de juiz fechou os olhos às ilegalidades, tudo isso tende a chegar às mãos do ministro Dias Toffoli, no Supremo Tribunal Federal.

Enquanto em fevereiro de 2017 o procurador regional aparentemente dizia não demonstrar preocupação com o que o Blog noticiava, seis meses depois, em agosto, diante de novas reportagens publicadas em torno das autoritárias decisões de arquivamento das investigações – MPF-PR e Moro barram investigações contra PF-PR (21/08/2017) e MPF, para esconder grampo ilegal, lança versão incongruente (22/08/2017) – a preocupação surgiu. Menosprezando os chamados sites progressistas ou independentes, classificados como “fakeblogs”, no dia 23, pediu para Rubens, da assessoria de comunicação do MPF, “acompanhar se as matérias do Marcelo Auler tiveram alguma repercussão além do 247 e desses fakeblogs”. Solicitou ainda que “verificasse se tem algum zunzum sobre movimentação do Wadi Damous (sic) e Aloísio Mendes a respeito” (veja quadro ao lado).

Na época Wadih Damous (deputado federal pelo PT-RJ), um advogado militantes nas causas dos direitos humanos, e Aluísio Mendes Guimarães (deputado federal pelo PSDC-MA), policial federal licenciado para exercer o mandato parlamentar, por motivos diversos acompanhavam par e passo os descaminhos da Lava Jato denunciando-os na Câmara dos Deputados.

Marcelo Auler “está perturbando”

Embora desclassificassem os sites progressistas, os procuradores e seus assessores sentiam-se incomodados por eles. Verdade que na maioria das vezes nem respondiam às demandas dos jornalistas/blogueiros, preferindo comunicarem-se com aqueles nos quais confiavam, provavelmente por não os questionarem.

Em setembro de 2017, a assessora da comunicação do MPF no Paraná, Liliana Frazão, comunicou a Deltan Dallagnol, então coordenador da Força Tarefa de Curitiba (hoje deputado federal cassado), que “Marcelo Auler está ‘perturbando’, como sempre”.

A “perturbação” foi um pedido de informação normal de acontecer entre jornalistas e assessores, por mais espinhoso que seja o assunto a ser tratado. Ao que parece, o assunto é que perturbava, pois se referia às diárias que o procurador Dallagnol recebeu entre janeiro e agosto de 2017 totalizando R$ 29.259.

Se o pedido de informações sobre diárias recebidas pelo procurador-regional Orlando Martello (R$ 63. 654,37, para trabalhar em Curitiba, onde residem sua esposa e seu filho) mereceu resposta da assessoria, republicada na íntegra no site – Lava Jato: verba pública para rever família, encontrar artistas…, (20/09/17) -, as informações sobre as 25 diárias de Dallagnol não tiveram a mesma atenção.

Convém lembrar que essa preocupação do site “Marcelo Auler – Repórter”, em setembro de 2017, em 2021 passou a ser motivo de investigação pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Na ocasião, o Tribunal divulgou um relatório que apontou o pagamento de R$ 2,557 milhões em diárias e passagens a cinco procuradores das Forças Tarefas, entre 2014 e 2021. Para o TCU haveria opções mais econômicas para os cofres públicos, como a transferência dos procuradores para Curitiba. Por isso, segundo eles, ficou claro o dano causado aos cofres públicos.

Em agosto passado, a Segunda Câmara do TCU condenou Dallagnol, o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot e o procurador João Vicente Romão a ressarcirem em R$ 2,8 milhões os cofres públicos por gasto pela força-tarefa da Lava Jato com diárias e passagens. Dallagnol recorreu ao judiciário tentando derrubar essa condenação. A decisão foi mantida, no último dia 07/06, pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A “perturbação” que o site pode ter causado, ao que parece, não foi tão desproporcional assim. Perturbação maior, Dallagnol – hoje desempregado – deverá ter para ressarcir os cofres públicos.

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