Operações policiais caça-votos

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Quatro dias antes de Sérgio Cabral Filho tomar posse em sua primeira gestão como governador do Estado do Rio, a capital foi alvo de ações tipicamente terroristas, realizadas possivelmente por bandidos armados. Eles fizeram o que os policiais costumam chamar de “salseiro”. Delegacias de polícia foram atacadas a tiros, postos da PM metralhados e um ônibus incendiado com oito inocentes dentro. Não houve sobrevivente. No Rio de Janeiro, várias vezes as mudanças de governo estadual são marcadas por ações desse tipo. Acredita-se que sejam resultado da associação entre bandidos e policiais da banda podre, como forma de pressionar o novo governante, tentar sondar os limites da nova administração na área de segurança pública.

Por Jorge Antonio Barros, do Blog Quarentena News, compartilhado de Construir Resistência




Diante da madrugada de terror de 28 de dezembro, Cabral assumiu no dia 1º de janeiro de 2007 com sangue nos olhos. Apresentou como “arma secreta” o então secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, um tira da inteligência da Polícia Federal, e considerado à época incorruptível. Seis meses depois de assumir, Beltrame deu ordem para execução de uma operação conjunta entre Polícia Civil e Polícia Militar que resultou em 19 mortes no Complexo do Alemão. Aquela região da cidade então passou a ser considerada uma espécie de Iraque dentro do Estado do Rio. Em abril de 2007, outra operação, dessa vez da PM, resultou em 13 mortos no Morro do Fallet, no Catumbi. A escalada da violência do governo Cabral contra o “crime” ganhava respaldo, sobretudo das classes médias que o apoiaram. A política de confronto virou então a única forma de combater o tráfico de drogas encastelado nas favelas. Na ocasião, não havia qualquer menção a atuação das milícias que já vinham dominando a geopolítica das favelas do Rio.

Ainda que a operação policial conjunta entre Bope e Polícia Rodoviária Federal, desta terça-feira, dia 24 de maio, tenha obtido justificativa no combate ao roubo de carga – um crime contra o patrimônio e que, sem dúvida, ameaça desordenar a economia – não resta dúvida de que se trata de uma peça de campanha de marketing eleitoral do governador Cláudio Castro. Como bom bolsonarista, Castro não entende absolutamente nada de segurança pública. Além disso, herdou de Witzel, o impichado, um sistema que considero precário, sem uma Secretaria, ou mesmo uma organização central que coordene a inteligência das polícias Civil e Militar. Rivais históricas, as duas instituições estão cada uma por si, sem qualquer supervisão.

Se o secretário da PM diz que é pra invadir, Castro não duvida. E a secretaria de Polícia Civil não ousa dizer o contrário. Infelizmente, o candidato da oposição, Marcelo Freixo, caiu na armadilha política e só foi se manifestar sobre a chacina já por volta das 19h.

O discurso do secretário da PM, de que a operação perdeu o brilho com a morte de uma inocente – uma moradora de área próxima ao “teatro de operações” – é para inglês ver. Infelizmente, as polícias do Rio de Janeiro não têm qualquer compromisso com a segurança de operações policiais. Estamos cansados de ver a morte de inocentes em confrontos nos quais o policial só consegue ver a oportunidade de atirar contra um criminoso. E ainda erra o tiro. Num caso na Tijuca, dois policiais militares confundiram o carro de bandidos em fuga com o de uma mulher que levava dois filhos menores, um dos quais, João Roberto, de 3 anos, morto na hora. Um dos PMs foi absolvido em 2019. Na chacina do Jacarezinho, na qual o recorde foi de 28 mortes – cuja responsabilidade está protegida por sigilo imposto pela Secretaria de Polícia Civil – o despreparo das polícias custou a vida de um policial civil.

Ainda que todos os 21 mortos da Penha tenham passagem pela polícia, a sociedade não pode dar a quem quer que seja licença para matar. A sociedade não pode se igualar aos criminosos encastelados nas favelas. Se estamos ao lado da civilização, a nossa polícia tem, sim, que ser civilizada; não pode se render à tentação da barbárie e da selvageria. Isso não significa em hipótese alguma transigir com o crime e os criminosos. A polícia pode, sim, ser eficiente dentro das leis. E operações de inteligência devem ser empregadas para desmantelar organizações criminosas com golpes em sua estrutura financeira e a prisão cirúrgica de seus chefes, assim como a de policiais corruptos que atuam como pilares dessas organizações. Desde sempre, a corrupção policial está na origem do aumento da criminalidade. Criminosos precisam faturar mais para manter os privilégios dos capitães-do-mato.

Por último, mas não menos importante, para se reduzir a letalidade do crime no Rio é preciso combater o tráfico de armas de fogo nas fronteiras. Isso não é feito com eficácia por nenhuma agência de combate ao crime no Brasil e ainda por cima o governo federal incentiva a liberação do porte e emprego de armas de fogo para cidadãos ditos de bem, que muitas vezes vão parar nas mãos de criminosos.

Corta para Sérgio Cabral, governador, diante do clamor da sociedade civil contra a política de confronto, em 2007:

“As comissões de direitos humanos da Assembleia Legislativa e da OAB estão fazendo seu trabalho legítimo. Eu estou fazendo o meu, que é combater o crime”, dizia Cabral. A gente sabe no que deu.

Armas apresentadas no estilo kit-imprensa, com a presença de um agente do Bope e outro da Polícia Rodoviária Federal. Detalhe: até o final da noite desta terça-feira, a operação do Complexo da Penha não mereceu nenhuma chamada no site do governo do estado e nem da Polícia Rodoviária Federal.

* Jorge Antonio Barros é jornalista e editor do Quarentena News

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