Opinião: As vítimas da irresponsabilidade

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Por Francis França, compartilhado de Deutsche Welle – 

O Brasil não poderia ter escolhido pior presidente para enfrentar uma pandemia. Quantas vidas poderiam ter sido poupadas não fosse o discurso irresponsável de Bolsonaro é uma pergunta que pairará sobre a história.

Cruzes no Cemitério do Caju, no Rio, onde algumas das vítimas da covid-19 foram enterradas
Cruzes no Cemitério do Caju, no Rio, onde algumas das vítimas da covid-19 foram enterradas

O Brasil ultrapassou neste fim de semana oficialmente a marca de 100 mil mortos por covid-19. O número carrega em si uma tristeza imensurável. São 100 mil famílias que não puderam velar seus mortos, enterrados às pressas devido a protocolos de segurança sanitária. Em milhares e milhares desses casos, as famílias não puderam visitar seus entes queridos em seus últimos dias. É uma tragédia inominável.

E, ainda assim, era previsível. Embora tivesse tido tempo de se preparar, já que o primeiro caso de covid-19 foi registrado em São Paulo quando a doença já havia infectado mais de 80 mil pessoas em 40 países, o Brasil reagiu à chegada da pandemia de forma descoordenada e ineficiente, perdendo rapidamente o controle sobre a disseminação do vírus, porque quem deveria estar coordenando os esforços nacionais preferiu fazer pouco caso da pandemia.




O Brasil não poderia ter escolhido presidente mais despreparado para enfrentar uma crise como esta. No início de março, Jair Bolsonaro disse que o poder destruidor do novo coronavírus estava “superdimensionado” e que a imprensa promovia “histeria”. Quando a situação na Itália já era crítica, o presidente disse que no Brasil a covid-19 mataria menos de 800 pessoas e que na Itália o número de mortes era alto porque a população era idosa.

Avaliações equivocadas, baseadas em palpites sem qualquer fundamento, como tantas outras que Bolsonaro fez ao longo desses quase seis meses – e por que não dizer de sua vida política. Sua postura negacionista e marcada por um notório desprezo pelo conhecimento científico mantém o país sem um ministro da Saúde desde o dia 15 de maio, quando o segundo ministro na pandemia deixou o governo por discordar do presidente.

No momento em que a epidemia começou a se agravar no Brasil, em vez de reconhecer o próprio erro e começar a trabalhar para proteger a população, Bolsonaro dobrou a aposta: criticou as regras de isolamento social impostas por governadores e prefeitos, incentivou o uso de medicamentos sem eficácia comprovada, promoveu aglomerações e vetou o uso obrigatório de máscaras em escolas e estabelecimentos comerciais e religiosos. Não ajudou e ainda atrapalhou.

Quando o país se aproximava de 40 mil mortes por covid-19, o presidente passou a se esquivar da própria responsabilidade e, de forma covarde, jogou a culpa do alto número de infecções sobre governadores e prefeitos.

E agora o país chora seus mais de 100 mil mortos. Em vez de se solidarizar com as famílias atingidas, o presidente preferiu usar suas redes sociais para destacar o número de recuperados, como se a morte de 100 mil pessoas pudesse, de alguma forma, ser relativizada.

Quantas vidas poderiam ter sido poupadas no Brasil não fosse o discurso ignorante e irresponsável do presidente da República é uma pergunta que pairará sobre a história. E que deve perseguir Bolsonaro e todos aqueles que, por ação ou omissão, o alçaram ao poder.

Francis França é editora-chefe da DW Brasil

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