Por Cynara Menezes para Carta Capital —
CartaCapital: A vitória de Dilma Rousseff o surpreendeu?
Renato Janine Ribeiro: Era imprevisível o resultado, pois nunca tivemos uma eleição tão parecida com um thriller, um romance policial. Se alguém narrasse a morte de Eduardo Campos em um romance ia parecer apelação. Em um ano e meio, uma presidenta passou de 60% de aprovação, uma reeleição tranquilíssima, garantida, para um desgaste, e depois quando surgiu Marina Silva, a chance forte de perder tornou-se real… Foi um trabalho muito grande para obter a vitória.
CC: De onde veio o desgaste?
RJR: Em parte da campanha de desconstrução dela e do PT que acontece há ao menos três anos. Nunca li um único artigo, ninguém que acusasse Dilma Rousseff de algum ato de corrupção. Mas na opinião pública de oposição colou a ideia de que a presidenta e o partido eram corruptos. Então houve esse trabalho de desconstrução que culminou com a edição da Vejaa poucas horas do segundo turno. De outra parte, o governo cometeu erros. Talvez o principal seja a dificuldade da presidenta de lidar com a política, de negociar. Dilma não dialogou especificamente com três setores, a começar pelos empresários. Há uma queixa de falta de comunicação, da recusa de Dilma em recebê-los. Em uma sociedade capitalista não há como não ouvi-los. Houve também pouco diálogo com os políticos. Mas o mais grave, a meu ver, do ponto de vista de um partido como o PT, é a falta de comunicação com o povo. Isso nada tem a ver com técnica de comunicação, com marketing. A comunicação com o povo, para o PSDB, pode ser uma questão de técnica. Para o PT é essência, de cerne. Se ele não se comunica com o povo, como pode se considerar “dos trabalhadores”?
CC: Ela tem condições de fazer um segundo mandato melhor que o primeiro, como Lula conseguiu?
RJR: Ela precisa. Se vai querer e conseguir é outra história. Embora eu nunca a tenha visto pessoalmente, ouço relatos sobre a dificuldade de diálogo, a tendência mais a dar ordens do que a escutar. É muito difícil mudar os indivíduos. Mas se houver de fato uma disposição maior ao diálogo, ótimo. Sem isso o segundo mandato será muito difícil. Ela precisaria fazer concessões à direita e à esquerda. À esquerda existe uma agenda, ao menos nos temas ligados aos costumes, ao qual ela não deu muita importância. No primeiro mandato ela cedeu às alas conservadoras, mas na campanha foi o pessoal dos Direitos Humanos, das minorias, que a apoiaram, enquanto os homofóbicos e congêneres fecharam com o Aécio Neves. Ela terá de se abrir para esse lado. Na agenda econômica, precisa fazer sinais para a direita ou para o capital. O capital não necessariamente vai assumir as bandeiras da direita, mas ele é por natureza conservador.
CC: A presidenta centraliza demais?
RJR: Dizem que ela é centralizadora, delega pouco, inibe os ministros, os colaboradores, desautoriza de público… Isso obstrui a criatividade. Outra coisa: o ministério no primeiro mandato teve pouco brilho, apesar de alguns bons nomes. Quem está informado sobre a atuação na defesa do Celso Amorim, um ministro brilhante durante o governo Lula? Gilberto Carvalho, Marco Aurélio Garcia… Estão apagados agora.
CC: A alegada divisão do Brasil sempre existiu, foi incentivada pelo PT, pela oposição ou pela mídia?
RJR: Existe um clima de ódio alimentado por alguns veículos, sobretudo uma revista. Mas acho que ao menos 50% dos brasileiros não dão muita importância à política. Entre aqueles 30% e 40% que dão, há um profundo antagonismo. Mas vejo essa revolta, essa intolerância, mais no eleitorado tucano. Isso não quer dizer que os 48% que votaram em Aécio são intolerantes, um terço, talvez. E um número menor ainda fala em impeachment. Restou, porém, uma divisão, não geográfica, mas entre aqueles que se sentem beneficiados pelas políticas sociais do governo petista e quem se sente prejudicado ou têm preconceito contra a população que subiu na vida nos últimos 12 anos. Havia uma expressão horrorosa nos anos 1960, quando ocorreram os conflitos raciais nos Estados Unidos: “No Brasil não temos isso porque os negros conhecem seu lugar”. A ideia de que o pobre sabe qual é “o lugar do pobre” sempre foi forte no Brasil.
CC: E como fica a oposição?
RJR: A grande questão é se os tucanos vão conseguir fazer uma oposição para além do ódio. O PSDB falhou em ser um grande partido liberal, dos empreendedores, e acabou por se tornar o partido do grande capital. O maior problema do PSDB é não ter uma proposta, então acaba atrelado aos votos do ódio. Isso justifica a proximidade com os blogueiros do ódio. Certamente o PSDB não os chamaria para nenhum cargo importante, mas iriam ter um espaço na máquina de propaganda. O problema? O partido acaba por se associar a uma parte do eleitorado que é pior do que a sua liderança, o que me parece um gigantesco erro político.