Orçamento secreto irrigou candidaturas da direita, diz João Paulo Rodrigues, do MST

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Apesar de tudo, ele vê o futuro com otimismo: “Nós projetamos uma nova geração de militantes do MST”

Por Chico Alves, compartilhado de ICL Notícias




Integrante da direção nacional do Movimento de Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), João Paulo Rodrigues reconhece as dificuldades dos partidos de esquerda nas eleições municipais deste ano e identifica as causas no movimento golpista de 2016. “De verdade: o golpe tirou o espaço do movimento popular, tirou o espaço dos partidos, tirou o espaço da esquerda”, analisa.

A entrevista de João Paulo é a segunda da série de matérias do ICL Notícias que analisa as causas do avanço da direita no último ciclo eleitoral e que procura debater os caminhos da esquerda na busca de retomar o espaço perdido nos últimos anos.

Para o dirigente do MST, a articulação que levou ao golpe contra a presidenta Dilma Rousseff se consolidou posteriormente com o chamado orçamento secreto (montante bilionário de emendas pagas sem transparência a parlamentares do Centrão), criado no governo Bolsonaro. Assim foram financiadas as candidaturas de direita que predominaram no pleito de 2024.

Como contraposição a essas dificuldades, o MST escolheu pessoas comprometidas com seus ideais para concorrer nas últimas eleições. Conseguiu eleger 133 candidatos em todo o país.

Nessa entrevista, João Paulo diz que com trabalho duro, de quatro anos, e sem “oba-oba”, novos nomes ligados ao movimento surgirão em breve, para na próxima eleição disputarem não apenas as vagas nas câmaras municipais, mas também nas prefeituras. Para isso conta as “entregas” das políticas públicas do governo Lula.

A direita, o golpe e o orçamento secreto

Eu acho primeiro que houve um avanço por parte do campo progressista ao recuperar um espaço que perdeu nos últimos dez anos com o golpe. Ou seja, quando a gente disse que houve um golpe no país, quando tiraram a presidente Dilma, não era brincadeira. De verdade: o golpe tirou o espaço do movimento popular, tirou o espaço dos partidos e tirou o espaço da esquerda.

Quem comandou essas eleições ainda foram os prefeitos e vereadores eleitos com o golpe, eleitos ainda no governo Bolsonaro. Todo recurso assinado pelas prefeituras, um volume significativo, é orçamento secreto. Até hoje esses orçamentos estão sendo executados, abre aspas, como política pública, com show sertanejo, com obras que irrigaram as candidaturas de direita e do Centrão.

Derrota da esquerda

Nós tivemos uma derrota ideológica — e isso pra nós foi muito pesado. Os partidos do campo de esquerda ainda não se recuperaram. O PV teve perdas importantes, o PDT teve perdas importantes, o PSOL não conseguiu recuperar sua capacidade. Quem se manteve do tamanho que estava e aumentou um pouquinho foram o PT e o PSB. Por outras circunstâncias, o PSB sempre foi um partido que, mesmo pequeno a nível nacional, mas do ponto de vista municipal tem tido muita adesão pelo país todo. O Solidariedade perdeu muito, não conseguiu achar o seu campo.

Então, tem dificuldades muito grande no campo progressista.

Confiança na próxima eleição

Acho que a eleição de 2028 se dará em outros níveis. Daqui a quatro ano nós vamos ter política pública que vai chegar no interior, nós vamos ter as chamadas “entregas” que vão ser feitas nesse último período. E essas entregas terão o endereço que são os mais pobres, que serão feitas pelo conjunto das forças mais progressistas que estão governando esse país.

Vamos ter uma agenda de disputa que vai melhorar o debate no interior, para enterrar essa agenda da pauta de costumes, que se viu aqui em São Paulo. Ou seja, o estrago da eleição de São Paulo influenciou muito as eleições no interior do país. Figuras como Pablo Marçal e coisas parecidas foram muito ruins para a disputa política.

MST em campanha

Diante disso é que nós do MST tivemos como talvez a principal tarefa colocar um número enorme de companheiros pra fazer campanha. A base do MST toda ela se envolveu em duas direções. Primeiro não deixar a extrema direita entrar nos assentamentos e acampamentos do MST. Seguramos, com muita dificuldade. Não seguramos o candidato, mas as ideias de direita, a agenda direita e a quantidade de recurso, de compra de votos. Para nós isso foi muito difícil, mas nós seguramos eles pra que não pudesse entrar nas nossas áreas.

O segundo desafio foi garantir que a nossa base votasse em candidaturas progressistas. Ora prefeito, ora vereador. E outro objetivo foi eleger os nossos candidatos. Aí é uma conta muito mais difícil, porque um candidato nosso não se elege só com a base do MST. Ele precisa naturalmente ter a base da cidade, e aí a vida fica um pouco mais difícil.

De qualquer forma nós tivemos vitórias emblemáticas como é o caso da Maíra, no Rio de Janeiro. Uma jovem militante do MST que teve uma votação exemplar, quase 15 mil votos. Uma candidatura nossa em Caruaru que se elegeu muito bem, numa situação adversa. Tivemos uma das votações importantes, do presidente da nossa cooperativa do arroz orgânico no Rio Grande do Sul. Teve a maior votação do município, em Nova Santa Rita, o Emerson. Isso tem que ser muito valorizado.

Preparação para campanhas

É óbvio que teve uma quantidade enorme de candidatos nossos que não se preparou para a campanha. Não se preparou do ponto de vista da comunicação, da relação com a família, da relação com o partido, da relação com a sociedade. Quem chegou por último, achando que era oba-oba, “vou entrar que eu vou ganhar”, só porque tem um carimbo do Lula, do PT ou do MST, se comprovou que não é assim. Disputa de vereador não é uma ação para amadores, é profissional e tem que ter planejamento de começo, meio e fim.

Um companheiro [do MST] tem que se preparar três, quatro anos. Eu acompanhei de perto muitas candidaturas e sei que as que surgiram somente nos últimos seis meses não deram em nada. As candidaturas que estão lá há três, quatro anos se preparando deram certo. E o que é se preparar? É na organização de entregas de políticas públicas, é na política de solidariedade com famílias, é na política de relação de companheirismo da luta, é a confiança com o grupo político. É a confiança, ou seja, é um conjunto de temas.

Nova geração de militantes

Então, o MST sai fortalecido dessa experiência, elegemos bons companheiros, bons militantes, vamos conseguir a partir de agora garantir que a política pública que passa por estado ou por município seja dialogada melhor com o assentamento, na hora da educação, na saúde, na merenda escolar.

Eu não tenho dúvida que nós projetamos uma nova geração de militantes do MST que serão lideranças em cada município. Jovens, homens e mulheres, negros, acampados, assentados que nos próximos quatro ano vai fazer luta no município, vai defender uma agenda da política pública do governo Lula. E serão lideranças com votações expressivas, aí não só pra vereador, mas também para candidaturas a prefeito.

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