Informações foram expostas no relatório final do inquérito da PF sobre o escândalo das joias, tornado público ontem (8). O GGN listou os principais pontos
Por Ana Gabriela Sales, compartilhado de GGN
O esquema ilegal de vendas de presentes de luxo oficiais no exterior pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seu entorno foi baseado em ordens vindas “de cima”, defesa “genérica” e até trapalhadas na hora de recuperar os itens milionários, entregues por autoridades estrangeiras ao Estado brasileiro quando o político inelegível estava à frente do Palácio do Planalto.
Todas essas informações foram expostas no relatório final do inquérito da Polícia Federal (PF) sobre o caso, que ficou conhecido como “escândalo das joias”. O documento de 476 páginas, assinado pelo delegado Fabio Shor, foi encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF) e tornado público pelo relator, ministro Alexandre de Moraes, nesta segunda-feira (8). Confira os principais trechos:
As ordens de Bolsonaro
De acordo com as investigações da PF, as ordens para a venda dos presentes oficiais e até a omissão de registros no sistema de bens do acervo privado de Bolsonaro partiram diretamente do mesmo, conforme os depoimentos do ex-ajudante de ordens da Presidência, tenente-coronel Mauro Cid; e do ex-assessor Osmar Crivelatti.
“As declarações prestadas por Osmar Crivelatti, Mauro Cesar Lourena Cid e pelo colaborador Mauro Cesar Barbosa Cid corroboram os demais elementos de prova colhidos demonstrando, de forma inequívoca, que as esculturas douradas de um barco e uma palmeira, presentes entregues por autoridades estrangeiras, ao ex-presidente da República Jair Bolsonaro, foram intencionalmente, subtraídas do acervo público brasileiro, por determinação do ex-presidente, para serem vendidas ilegalmente nos Estados Unidos“, escreveu a polícia.
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Bolsonaro também teria dado aval para um leilão de um dos conjuntos de joias que recebeu quando era presidente. Em mensagens, Cid enviou link do leilão e Bolsonaro respondeu com o jargão militar “Selva”.
“No dia 04 de fevereiro de 2023, Mauro Cid envia o link do leilão do kit Rosé da loja Fortuna Auctions, que iria ocorrer no dia 08 de fevereiro, para o contato “Pr Bolsonaro 2023”, telefone utilizado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Este [Jair Bolsonaro] responde com o jargão ‘Selva“, apontou o relatório.
Para os agentes, a ação mostrou a “ciência e anuência [ de Bolsonaro] na tentativa de alienação ilegal das joias“.
Defesa rasa
Outras mensagens analisadas pelos investigadores apontam também que o advogado Frederick Wassef enviou um áudio a Bolsonaro, em 8 de março de 2023, afirmando a necessidade de uma defesa “genérica”, para que o caso fosse tratado como fake news.
“Mensagem de massa, para o povo, para o público. Mensagem de subconsciente, que qual que é? ‘Presidente Bolsonaro é honesto! Agiu na lei! Declarou! Isso é armação e fake news. Nunca teve um caso de corrupção em quatro anos de governo! Isto é perseguição política, procurando pelo em ovo!’”, disse Wassef, sobre uma nota de sua autoria sobre o caso, repercutida na imprensa à época.
“Esta mensagem simples, curta e grossa é que tem que ir para o público. Sem adentrar em detalhes, em questões de leis e nem nada porque o povo não tem tempo pra ler e nem vai entender isso. A mensagem que é um tiro de canhão que nós falamos tudo que interessava, sem falar nada que compromete a defesa e estratégia de defesa, está aí. Todos estão elogiando! Todos!”, conclui.
Operação de recompra
Mauro Cid, que delatou o caso das joias, inicialmente revelado pelo jornal Estado de S. Paulo, chegou a apagar mensagens de WhatsApp que havia trocado com o ex-assessor de Bolsonaro, Marcelo Câmara, sobre a recuperação do que ficou conhecido como “kit ouro branco”, formado por um anel, abotoaduras, um rosário islâmico e um relógio da marca Rolex, recebido Bolsonaro em visita oficial à Arábia Saudita em 2019.
Cid, no entanto, acabou enviando as mesmas mensagens para uma outra conta pessoal no aplicativo. “O problema é que essa matéria está falando que se o TCU quiser ir lá vai encontrar e não vai“, diz Câmara, mostrando preocupação sobre o armazém onde estaria o acervo privado do ex-presidente, incluindo as joias – que não estavam lá.
As trapalhadas de Wassef
Wassef – que acabou excluído da defesa de Bolsonaro – foi até aos Estados Unidos, onde se encontrou com o ex-presidente e recuperou o relógio Rolex desviado da União.
Em um áudio enviado para sua namorada, Wassef conta uma trapalhada envolvendo bolsonaristas, já que sua intensão não ser notado. “Era assim: um bolinho de gente lá tirando foto com ele, outro bolo igual tirando foto comigo, foi a coisa mais louca que eu vi na minha vida, cara. Isso do… isso porque eu tava do outro lado da calçada. De escondidinho, atrás de um poste pra não ser visto, mas não teve jeito. Puta que pariu! Fodeu!“, declarou.
Segundo a PF, Wassef pediu ainda um assento escondido no voo aos EUA para não ser identificado, em conversa com uma atendente de uma agência de viagens.
“Eu quero ficar colado. Cabeça, minha cabeça colada na fuselagem, deu pra entender? Ou seja, o banco, ele tem que tá… ele tem que tá deitado assim: com a cabeça apoiada no banco e na fuselagem, na parede do avião, olhando pra janelinha. É bem o contrário. Por favor! Porque, senão, aqueles banco é (sic) uma porcaria, tua cabeça fica no corredor, todo mundo passa, esbarra, olha pra tua cara e eu não posso, cara. Eu sou público, eu tenho que tá escondidinho ali“, escreveu em mensagem de texto.
Conclusões
A PF concluiu que, no total, as jóias recebidas por Bolsonaro somam cerca de R$ 6,8 milhões, em valores atualizados. O montante, no entanto, não considera os bens pendentes de perícia, além de esculturas douradas de um barco e uma árvore e um relógio Patek Philippe, que foram vendidos.
Isso não significa que todo esse dinheiro foi para o bolso do ex-presidente, mas a venda tinha o objetivo de “enriquecimento ilícito” de Bolsonaro, de acordo com a corporação.
“No sentido de valorar os bens que foram objeto dos atos de desvio (e tentativa de desvio) perpetrados pela associação criminosa com a finalidade de enriquecimento ilícito do ex-presidente Jair Bolsonaro, as joias foram submetidas à procedimento pericial, com o objetivo, dentre outros, de aferir o valor mercadológico dos bens“, esclareceu a PF.
Além disso, para a PF, o desvio dos presentes oficiais também está relacionado à produção de fake news e ao uso indevido de recursos do Estado.
“Concluindo pela existência de fortes indícios de desvio de bens de alto valor patrimonial entregues por autoridades estrangeiras ao Presidente da República ou agentes públicos a seu serviço, e posterior ocultação da origem, localização e propriedade dos valores provenientes, com identidade de agentes já investigados por outros fatos nesta Suprem Corte, o que evidencia a conexão probatória com diversos inquéritos que tramitam no âmbito do Supremo Tribunal Federal, que investigam condutas atentatórias à própria Corte, tal como o lnq. 4.781/DF, das Fake News e, especialmente, a prática de diversas infrações criminais por milícias digitais atentatórias ao Estado Democrático de Direito, investigada no Inq 4.874/DF“, escreveu a corporação.
Ontem, o caso foi enviado para análise da Procuradoria-geral da República (PGR), que terá 15 dias para se manifestar se apresentará uma denúncia formal contra os envolvidos, se pedirá novas diligências ou arquivará o caso. Só após isso – e se a Justiça aceitar a denúncia – é que Bolsonaro e os demais indiciados se tornarão réus.
Com informações do G1.