Por Desiree Figueiredo, compartilhado de Projeto Colabora –
A convite do #Colabora, Desireé Figueiredo descreve, em texto emocionante, a dor em ver o primogênito chorar pela sexualidade e a emoção com a descoberta do gênero da caçula, que havia ‘deixado de sorrir’: ‘A beleza da vida está justamente na diversidade’
Na foto: Desireé Figueiredo com Sofi, de 13 anos, e Nícolas, de 17: “Para mim, não foi como para algumas mães que se sentem como se tivessem enterrando seus filhos para nascerem outros” (Foto: arquivo pessoal)
Neste Dia do Orgulho LGBTQIA+, venho dizer o tamanho do meu ORGULHO (assim, bem grandão) de ser mãe de dois representantes de letras dessa sigla, desse movimento.
Antes de descobrir a sexualidade e o gênero dos meus filhos, conversando com outras mães, ouvia sobre o quanto elas não teriam problemas se descobrissem que seus filhos eram homossexuais, mas que não desejavam isso, por causa do medo da violência direcionada a essas pessoas. Na época, eu não concordava e nem discordava, porque não tinha uma opinião formada sobre o assunto. Hoje, eu posso falar com propriedade: eu sinto ORGULHO mesmo.
Meus filhos, aqueles que eu achava que eu ensinaria, que eu tentava mostrar a força para enfrentar o mundo, vieram me ensinar lições tão valorosas que eu jamais aprenderia se não fosse por eles.
Mais: Uma carta de orgulho para a criança que sente vergonha
Nícolas: ‘Ver meu filho chorar por se sentir errado, doeu demais’.
Descobri a homossexualidade do meu primogênito Nícolas quando ele tinha 11, há seis anos. Ver meu filho chorar copiosamente por medo de ter decepcionado a mim e ao pai somente por ele ser quem ele era doeu no fundo da minha alma. Ver meu filhinho, o filho que tanto desejei, que tanto lutei para tê-lo em meus braços, chorar por se sentir errado por não ser o que a sociedade heteronormativa impõe, doeu demais.
E ali eu não tive medo. Ali eu percebi que eu não tinha medo, como outras mães disseram que teriam, porque eu queria combater junto com ele essa imposição errada da sociedade. Essa se tornou a minha causa. Psicólogos me diziam que não era para abrirmos para a família e amigos a sexualidade dele, porque ele era muito novo e isso podia ser apenas a fase da descoberta, não a condição final da sexualidade dele. Mas eu sabia que não, não era uma “fase”. Eu sabia que era aquilo que ele era. Eu não errei. Quem conhece uma pessoa mais do que a própria mãe, né?
Vi meu filho sofrer por achar que não viveria o romance de filmes de adolescentes. Mas também vi que a geração dele veio para quebrar paradigmas. Vi todos os amigos dele, na inocência da adolescência, terem força para enfrentarem seus pais ao não aceitarem o preconceito com seu amigo. Vi adolescentes enfrentando professores e diretores de escola por não aceitarem que seu amigo não pudesse ser quem ele era e expressar sua verdade. E meu filho foi criando forças com isso. Aos 16 anos, ele finalmente pôde viver sua “fanfic”: finalmente, começou a viver seu romance adolescente.
Hoje, eu agradeço por meu filho ter ao seu lado um menino incrível, que me liga pedindo para eu acordar seu namorado para tomar o remédio, já que ele provavelmente perdeu a hora. Como eu posso ter problema com isso? Como alguém pode achar que isso é um problema? Como alguém pode achar que esse amor, esse carinho, esse cuidado, é errado?
Sofi: ‘Naquele momento, eu conheci verdadeiramente a criança que eu gerei há 12 anos’
Ano passado, em meio à pandemia, a psicóloga da minha filha caçula pediu uma sessão comigo e com meu marido. Ela veio nos contar (a pedido dela) que Sô não era uma menina, e sim uma criança não-binária. Quando saímos da sessão, ela veio toda tímida e encolhida ver qual foi a nossa reação, e quando abrimos os braços para abraçá-la, ela abriu um sorriso de orelha a orelha e correu para nossos braços. Vocês não têm ideia do quanto me emociono ao relembrar dessa cena, porque minha filha não sorria mais até então. Minha filha, aquela criança que eu esperei por mais de um ano para conseguir tê-la em meus braços, que foi uma criança risonha, que adorava nos fazer rir com suas brincadeiras, que adorava dançar, que sempre foi muito carinhosa, há um ano estava trancada dentro de um quarto sem interagir com ninguém, se comunicando com muita dificuldade, falando o mínimo possível. Ver novamente aquele sorriso, aceitando nosso abraço, foi um dos dias mais felizes e emocionantes da minha vida. E, naquele momento, eu conheci verdadeiramente a criança que eu gerei há 12 anos, e aprendi que ela não era ela, e sim elu.
Para mim, não foi como para algumas mães que se sentem como se tivessem enterrando seus filhos para nascerem outros. Eu olho para trás e vejo que minhe Sô sempre foi a mesma criança, mas por imposição de uma sociedade cisnormativa eu defini o seu gênero ao descobrir sua genitália na ultrassonografia, não dando a chance delu se mostrar como é. Eu senti raiva. Raiva desse sistema, por me fazer impor o gênero de minhe filhe. Raiva por ter deixado minha criança mal, infeliz por um ano, porque ela não era o que eu tinha imposto ao nascer. Acima da raiva, eu senti um orgulho imenso por minhe filhinhe, aos 12 anos, ter uma força quase que sobre-humana para revelar ao mundo quem elu realmente era. Como eu poderia ter outro sentimento a não ser ORGULHO? Orgulho dessa força, orgulho dessa coragem, mesmo sendo tão nove.
Mais: O orgulho e a emoção nas falas de pessoas LGBT+; assista
Então, hoje eu tenho uma opinião formada acerca do assunto que eu falei lá em cima, sobre o medo de ter filhos LGBTQIA+, e posso dizer que maior, muito maior, que o meu medo, é o orgulho que tenho dos meus filhos. Eles me ensinaram a olhar as pessoas de outra maneira. Ensinaram que os padrões impostos são motivos de sermos uma sociedade doente, que não deixa as pessoas se descobrirem por si próprias quem elas são e como querem viver. Fizeram com que eu enxergasse que o mundo é muito maior que essa caixinha apertada, na qual somos colocados ao nascer, nos impondo padrões extremamente limitantes. Que a beleza da vida está justamente na diversidade, na liberdade de descobrirmos por nós mesmos quem somos e como queremos viver, nos relacionar, nos expressar. E ao escrever esse texto, eu tenho a real dimensão da frase “Orgulho LGBTQIA+”, porque é o maior sentimento que tenho pelo meu filho gay e minhe filhe transgênere: ORGULHO!