Por Cíntia Alves, para O Jornal GGN –
Com traços de um legítimo “workaholic”, Eduardo Cunha impôs um novo ritmo à Câmara. Até aqui, o resultado é uma série de derrotas para o Planalto e para aqueles que lutam contra o retrocesso e o conservadorismo
Jornal GGN – A contar a partir de 2 de fevereiro de 2015, quando o PT da presidente Dilma Rousseff foi derrotado na disputa pela presidência da Câmara, o deputado Eduardo Cunha (PMDB) já pode celebrar os primeiros 100 dias no terceiro cargo mais importante da República. Em pouco tempo de gestão, Cunha, com traços de um legítimo “workaholic”, movimentou inúmeros projetos pelas comissões da Casa.
Apesar disso, o Planalto, os partidos de esquerda e os movimentos sociais que lutam contra o retrocesso e o conservadorismo não acendem velas nem cantam parabéns nesta segunda-feira, 11 de maio. Isso porque, na maioria dos casos, o que Cunha fez foi destravar pautas que agradam a ala conservadora do Congresso. Quando não, atendem a interesses pessoais sob o argumento de passar uma mensagem à Dilma: “Chega de subserviência!”
Imediatamente após vencer a disputa contra os governistas, Cunha chutou o PT da Mesa Diretora da Casa e negociou com a oposição as principais comissões permanentes. Ao PSDB, por exemplo, ofereceu a Comissão de Finanças.
Dias depois, Cunha pediu ao vice-presidente e líder nacional do PMDB, Michel Temer, que entrasse na Justiça contra a criação de novos partidos políticos. A ofensiva foi para reduzir as chances de sucesso do ministro Gilberto Kassab (Cidades), do PSD, que quer criar uma nova legenda, o PL. Fruto disso seria a redução da influência do PMDB no Congresso e, quem sabe, o enterro do DEM.
Paralelamente, Cunha encomendou ao deputado aliado Mendonça Filho (DEM) um projeto de lei que dificulta a fusão de partidos, já que a intenção de Kassab é unificar o PSD e o PL, aumentando a bancada governista.
Surfando, ainda, na derrota que impôs ao governo Dilma em 2 de fevereiro, Cunha passou a desqualificar, nos jornais, o desempenho dos ministros Pepe Vargas e Aloísio Mercadante na articulação política. À época, a imprensa apontou Jacques Wagner como substituto da dupla que, segundo Cunha, acumulava fracassos nas negociações com o Congresso.
Não demorou muito, aliás, e a Câmara, patrocinada por Cunha, decidiu colocar todos os 38 ministros de Dilma na berlinda, convidando-os para dar explicações de projetos do Planalto à Casa.
CPI da Petrobras
Dias depois, Cunha liberou a criação de nova CPI da Petrobras, novamene a reboque da Operação Lava Jato. Nas semanas seguintes, estabeleceu com aliados que a comissão parlamentar de inquérito só investigaria os casos de pagamento de propina que dizem respeito ao período em que o PT esteve na Presidência da República.
Talvez em apenas um momento Cunha tenha provocado frustração nos deputados que o elegeram presidente. A maioria reagiu muito mal quando o peemedebista anunciou o aumento do número de sessões na Câmara e corte no ordenado do deputado que faltar aos trabalhos sem justificativas. A pressão foi tanta que ele precisou recuar e liberar algumas regalias para os parlamentares, como verbas para custear as viagens das esposas.
Impeachment
Desde que ascendeu à presidência da Câmara, uma das principais pautas que orbitam em Eduardo Cunha é o impeachment de Dilma. Pelo rito processual, o peemedebista é quem detém o poder de fazer as primeiras análises e decidir se dará seguimento ou não aos pedidos que chegam à Câmara. No começo, Cunha dizia que era totalmente contrário ao impeachment. Alegava até que não enxergava motivos plausíveis. Hoje, após desgastes com o governo, ele sinalizou à oposição que não só deixará o canal aberto como pretende contratar um parecer jurídico sobre o tema.
Reforma política
Paralelamente aos atritos políticos, Cunha impôs muitas derrotas à Dilma. Uma das primeira foi a aprovação do orçamento impositivo com a obrigatoriedade de o governo executar as gordas emendas apresentadas pelos parlamentares. Como tratava-se de uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) ao Orçamento 2015, o Congresso aprovou e sancionou por conta própria, e Dilma só poderia anular a decisão recorrendo ao Supremo Tribunal Federal (STF). A presidente, porém, preferiu não enfrentar os congressistas em mais essa questão.
Ainda na campanha para enfurecer o PT, Cunha manobrou para tirar da gaveta, logo no segundo dia como presidente da Câmara, a PEC 352, mais conhecida como PEC Vaccarezza – uma controversa proposta de reforma política que o governo segurou por um ano e meio.
O peemedebista criou uma comissão especial para formular o escopo de uma reforma política que – ele não esconde de ninguém – não deixará o PT feliz. Entre outros pontos, Cunha pretende institucionalizar o financiamento privado de campanha antes que o STF decida sobre sua inscontitucionalidade. Ele conta com ajuda do ministro Gilmar Mendes, que sentou em cima da ação que analisa o caso no Supremo e não vai sair enquanto o Congresso não fizer a reforma.
Agenda conservadora
Evangélico, Eduardo Cunha usou as dependências da Câmara para promover cultos religiosos e não se contentou com isso. Colocou em pauta da Casa projetos conservadores e contrários aos diretos das mulheres e dos homossexuais.
Para começar, Cunha autorizou a criação de uma comissão especial para discutir o Estatuto da Família, cuja ideia principal é a de definir que família é uma instituição forjada a partir da união entre homem e mulher, apenas. Na prática, isso pode proibir um casal gay de adotar uma criança. Em outra frente, Cunha desengavetou outros dois projetos de sua autoria: um que cria o Dia do Orgulho Hétero, e outro que criminaliza o preconceito contra heterossexuais.
Não satisfeito, Cunha também negou que o debate sobre a descriminalização do aborto será feito sob seu comando na Câmara – “Só por cima do meu cadáver!” – e saiu em defesa da ampla liberdade de imprensa, rejeitanto qualquer tipo de proposta sobre regulação da mídia.
Ao que tudo indica, isso fez com que os maiores grupos de comunicação do país se esquecessem um pouco do tamanho da capivara de Eduardo Cunha. Há um mês, aliás, ele entregou a Comunicação da Casa ao PRB, partido ligado à Igreja Universal.
A crise da Lava Jato
Inconformado por ter sido citado na Operação Lava Jato como um dos políticos que teriam se beneficiado dos esquemas de corrupção na Petrobras, Cunha tratou de encampar, junto a Renan Calheiros (PMDB), presidente do Senado, uma guerra contra a Procuradoria Geral da República, alegando que Rodrigo Janot só incluiu a ambos nas investigações por influência dos ministros de Dilma Rousseff.
Neste 100º dia de presidência da Câmara, aliás, Cunha é protagonista de reportagens que indicam que, nos próximos dias, a Câmara vai apresentar uma PEC impedirá Janot de ser reconduzido à PGR quando seu mandato terminar, em setembro próximo.
PEC da Bengala
Outra PEC apresentada pelo PMDB que afronta o poder de Dilma é a PEC da Bengala, aprovada pela Câmara na mesma noite em que Lula apareceu, em cadeia nacional, denunciando que a Câmara impôs uma derrota aos trabalhadores ao aprovar o PL 4330, que amplia as possibilidades de terceirização – outra pauta patrocinada por Cunha e seus aliados, como Paulinho da Força (SD), que não foi contida mesmo após a nomeação de Michel Temer para a articulação política.
Renan e Cunha ainda fizeram dobradinhas para emplacar um projeto de lei que dá 30 dias para a Fazenda negociar dívidas com Estados e municípios, dando desconto generosos aos entes federativos e, consequentemente, dificultando a vida de Dilma em meio ao ajuste fiscal.
Cunha também apresentou uma PEC que limita número de ministérios em 20, outra iniciativa que interfere nas competências da presidente da República.
Em abril, Cunha entrou com uma ação por danos morais contra este Blog, alegando que um artigo publicado por Luis Nassif há dois anos lhe fere a reputação. Ele pediu indenização, sugerindo que o cargo de presidente da Câmara lhe dá mais visibilidade.