Por Alex Solnik, Brasil 247 –
Além de ser um forte candidato a pior ministério desde a criação, em 3 de julho de 1822 do primeiro ministério – o da Justiça – do Brasil, esse do governo provisório de Michel Temer contém muitas revelações.
A primeira é que Eduardo Cunha não está morto. As suas digitais estão lá, em vários ministérios, inclusive no da Justiça, o que mostra que o afastamento do mandato e da presidência da Câmara, motivado por uma capivara assustadora, não o afastou do governo Temer, onde continua prestigiado e blindado e nem abalou as boas relações com o presidente da República interino, para espanto dos que achavam que ele não se deixaria contaminar por um personagem tão execrado pela opinião pública e chamado de “delinquente” pelo procurador-geral da República. E mostra, também, que ele trabalha continuamente, embora fora do seu gabinete, para se livrar da cassação no Conselho de Ética e conta com toda a retaguarda do novo governo para obter sucesso. E tudo indica que irá obtê-lo.
A segunda revelação é que os escolhidos foram recompensados pelo empenho que demonstraram na guerra do impeachment, não só com seus votos, na Câmara e no Senado, mas no convencimento de indecisos e da opinião pública – sejam deputados, senadores ou presidentes de partidos – e não em função de sua competência para exercerem seus cargos, como será demonstrado logo adiante.
A terceira é que o ministério parece ser uma espécie de bunker anti-Lava Jato, tal é a quantidade de envolvidos nas denúncias nele abrigados. Sinal disso foi a movimentação do ministro do STF, Gilmar Mendes. Ele anunciou que iria abrir investigação contra Aécio, mas, quando a participação do PSDB ficou definida, vinte e quatro horas depois, Mendes a arquivou, incontinenti, sem explicar o porquê.
A quarta revelação é que todos os ministérios das minorias foram limados, indicando qual será o destino dos programas sociais e dos projetos que defendiam mulheres, negros, homossexuais, sem-terra, sem-moradia etc etc.
A quinta é que a composição foi fechada a toque de caixa, tipo “pega esse ministério senão outro pega”, tal é a quantidade de pessoas erradas nos lugares errados e as fusões inexplicáveis, como por exemplo, a criação de um ministério que ao mesmo tempo cuida de Ciência, Tecnologia e Inovação e Comunicações.
A sexta revelação é que, a total e completa ausência de mulheres demonstra ter havido um forte componente sexista na deposição da presidente Dilma, pois, para esse grupo, de perfil notadamente misógino, política é coisa de homem, o que coloca em situação difícil a senadora Marta Suplicy, que construiu a sua carreira política defendendo os direitos femininos e agora deve estar se perguntando “o que eu estou fazendo aqui”?
Conhecido desde sempre como “mordomo de filme de terror”, Temer organizou, ironicamente, um verdadeiro ministério Frankenstein, dando um tapa na cara de empresários, industriais, comerciantes, diplomatas, artistas, educadores, cientistas e de toda a sociedade brasileira.
Os 12 maiores absurdos são:
1) Mendonça Filho, da tropa de choque de Eduardo Cunha, líder do DEM na Câmara, alvo da 7ª fase da Lava Jato por ter recebido R$ 250 mil das empreiteiras Odebrecht e Queiroz Galvão e citado em grampo da Policia Federal em 2009 na Operação Castelo de Areia por ter recebido doação de R$ 100 mil da Cavo que pertence ao grupo Camargo Corrêa ficou com Educação e Cultura sem ter nenhum vínculo nem com uma coisa nem com outra, um verdadeiro escárnio para os educadores e os artistas brasileiros, castigados, provavelmente, por terem apoiado Dilma até o fim. Aliados do golpe mais qualificados foram barrados. O senador Cristóvão Buarque (PPS), por exemplo, dançou no momento em que afirmou, publicamente que votaria pela “admissibilidade”, mas que não se comprometia a votar do mesmo modo no “julgamento” presidido pelo STF. O presidente do PPS, Roberto Freire, também cotado, perdeu a vaga por ter tido participação apagada na trama.
2) Bruno Araújo, um dos mais truculentos militantes pro-impeachment e defensores de Eduardo Cunha da Câmara que, às 23h07 do dia 17 de abril proferiu o voto que autorizou o prosseguimento do processo de impeachment ganhou como recompensa o Ministério das Cidades, que tem mais afinidades com um engenheiro, enquanto ele é advogado;
3) para retribuir os votos do PSD, Temer colocou Kassab (ex-Maluf, ex-Serra e ex-Dilma), presidente desse partido, fundado por ele justamente para combater o PMDB, em Ciência, Tecnologia e Comunicações (fundiu ministério que cuida de ciência com o que vai definir o limite da banda larga fixa, migração da estações de rádio AM para o FM e do desligamento do sinal de TV analógico), apesar de o ex-prefeito de São Paulo, sempre suspeito de malversação de verbas em todos os cargos pelos quais passou, ser engenheiro e corretor de imóveis. Kassab foi denunciado por improbidade administrativa quando, como secretário de Planejamento do ex-prefeito Celso Pitta seu patrimônio aumentou 316% acima da inflação; seu mandato de prefeito foi cassado em 2010 por suspeita de recebimento de doações ilegais na campanha de 2008; também foi denunciado por contratar, como prefeito de São Paulo, uma empresa para inspeção de veículos poluidores, a Controlar. Inexplicavelmente, reverteu todas as acusações na Justiça paulista.
4) para retribuir os votos do PRB, seu presidente, o pastor evangélico Marcos Pereira, empregado do “bispo” Edyr Macedo, ganhou Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, sem ter tido qualquer intimidade com essa pasta fundamental, da qual depende a recuperação da economia brasileira, para espanto dos empresários da Fiesp, patrocinadores das domingueiras na Avenida Paulista animadas pelo Pato Amarelo;
5) o maior plantador de soja e um dos maiores desmatadores do Brasil, Blairo Maggi, segundo político mais rico do brasil segundo a revista Forbes ficou com a Agricultura (os pequenos agricultores e a agricultura familiar devem estar apavorados, com razão). Em 2005, quando governador, Maggi foi considerado pelos ambientalistas como um dos maiores promotores do desmatamento e da destruição da Floresta Amazônica. É dele a famosa frase: “Para mim, um aumento de 40% no desmatamento não significa nada; não sinto a menor culpa pelo que estamos fazendo aqui”.
6) Leonardo Picciani, que se fingiu de líder do governo Dilma quando o PMDB rompeu com o governo, ficou com Esportes, ao assumir o papel de traidor de última hora, talvez por ser carioca, a terra dos Jogos Olímpicos, apesar de Romário, muito mais sintonizado com o tema, e também do Rio, ter se esforçado para “sobressair”;
7) Romero Jucá, dono de uma coleção de ações penais no STF, dentre as quais uma referente a um episódio grotesco em que um de seus assessores jogou 100 mil reais pela janela do carro às vésperas da campanha eleitoral quando ia ser revistado pela polícia, é o titular do Planejamento (pasmem!);
8) José Serra, sem nenhuma tradição na diplomacia, e que nas relações pessoais jamais foi diplomático, vai comandar Relações Exteriores, não se sabe se porque foi o que sobrou – e ministério ele não recusa – ou para dar andamento ao seu projeto de entregar o pré-sal às multinacionais do petróleo;
9) O truculento Secretário da Segurança Pública de São Paulo, Alexandre de Moraes, que comandou a repressão aos estudantes de São Paulo vai para a Justiça, que nunca foi lugar de homens com perfil policialesco, à qual se subordina Polícia Federal que investiga seu cliente Eduardo Cunha ;
10) Henrique Eduardo Alves, envolvido pelo doleiro Alberto Yousseff na Operação Lava Jato e um dos integrantes da “lista de Janot”, em cuja residência o ministro Teori Zavascki autorizou buscas pela Polícia Federal a 15 de dezembro de 2015, em nova fase da Lava Jato, batizada de Operação Catilinárias, ganhou, ironicamente, a pasta de Turismo, talvez para ter um bom pretexto para ficar no exterior se o cerco apertar;
11) O baiano Geddel Vieira Lima, um dos braços direitos de Temer ficou com a Secretaria de Governo, apesar de seus antecedentes pouco recomendáveis. Citado no escândalo dos “Anões do orçamento”, de 1993, em que parlamentares manipulavam emendas orçamentárias com a criação de entidades sociais fantasmas ou participação de empreiteiras no desvio de verbas, Geddel apoiava e liberou várias emendas para o líder do esquema, o deputado baiano José Alves, que ficou conhecido por afirmar que seu patrimônio se multiplicou por ter ganho 56 vezes na loteria só em 1993;
12) Outro integrante da tropa de choque de Eduardo Cunha, o deputado federal Ricardo Barros, que é engenheiro civil e que apresentou na Câmara projetos destinados a responsabilizar estudantes que desrespeitam professores e funcionários ou que violam regras de comportamento nas escolas e propôs aumento da pena aos bandidos que utilizam menores de idade nos crimes virou ministro da Saúde, sabe-se lá porque.
Dá impressão que esse ministério foi criado, de caso pensado, não para tirar o país da recessão nem alavancar o crescimento, nem combater a corrupção, mas com a intenção de provocar reações barulhentas e violentas e justificar, em contrapartida, em nome do lema “ordem e progresso” o endurecimento repressivo dessa esculhambada democracia à brasileira.
Fotoda capa: José Cruz/Agência Brasil