Os ataques a familiares como estratégia jurídica

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Por Luis Nassif, Jornal GGN – 

Quando decidi enfrentar a revista Veja, na série “O caso de Veja”, Roberto Civita contratou alguns blogueiros para me demover pela violência: pesados ataques pessoais, através do próprio portal da revista,  inéditos na história da imprensa brasileira.

Era tal a  virulência e era tal o temor infundido pela revista, que ninguém ousou se solidarizar. Os que acompanhavam o Blog foram testemunhas da violência dos ataques. Rato, achacador, mão peluda, mascate.

Na ocasião, minhas caçulas tinham 9 e 10 anos. Todo fim de tarde quando voltavam das aulas era uma agonia, para saber se respingos daquele esgoto chegavam até elas.




Em determinado momento, as baixarias derrubaram minha ex-esposa. Protestei pelo blog. Os protestos serviram apenas para ampliar os ataques a ela, porque julgavam estar ali a brecha emocional para me derrubar.

Chegaram ao ponto de me acusar de frequentar saunas gays, manobra de ataque preventivo de determinado blogueiro, temeroso de que expusesse casos de sua vida privada em represália aos ataques que me dirigia.

São desafios psicológicos extremos. Naquele ambiente enlouquecido, você tem que superar a raiva pessoal e pensar em não atingir inocentes. Pensava, então, de maneira protetora nas minhas filhas e nas duas filhas dele, também expostas a represálias pela atuação do pai. E ganhava forças para não retaliar.

Ficou claro no episódio que, quando a disputa não se submete a regras mínimas, a maneira mais fácil  de quebrar o ânimo do adversário é atacar sua família. Explora-se o remorso do contendor, ao perceber que a conta não recai apenas sobre ele, mas sobre as pessoas queridas.

As estratégias jurídicas

Nas guerras jurídicas da Lava Jato e de outras operações, os ataques a familiares de suspeitos, por parte do Ministério Público e dos juízes, visam dois objetivos.

O primeiro é a suspeita lógica de que os familiares mais próximos são parceiros naturais, em caso de desvios de bens do acusado.

Com o instituto da delação premiada, um dos pontos centrais do trabalho de procuradores, delegados, do juiz Sérgio Moro e, aparentemente, agora da juíza Célia Regina Ody Bernardes – e do procurador Frederico Paiva, da Zelotes – é quebrar emocionalmente o acusado, para torná-lo propenso a delatar e a romper com a chamada corrente de lealdade da suposta organização criminosa.

É por aí que se entende a exposição pública de familiares, o grampo no celular das filhas de Marcelo Odebrecht, a posterior divulgação de conversas pessoais dele com sua esposa, a quebra do sigilo fiscal da filha de Gilberto Carvalho, dos filhos de Lula e a prisão da cunhada de João Vaccari, assim como as acisações contra sua esposa.

Não se trata de sadismo ou coisa parecida, mas de uma fria manobra tática, diferente na forma mas igual no objetivo da saraivada de ataques de que fui alvo no caso da Veja. Ambos os grupos – os que atacam parentes pelos blogs ou pela Justiça  – compartilham os mesmos instintos, a mesma amoralidade.

O linguajar é mais civilizado, há a obediência a uma série de procedimentos formais e uma ampla permissividade conquistada por mérito dos bravos procuradores e juízes (e da grandiosidade dos crimes apurados), de terem sido bem sucedidos na exacerbação das ruas como forma de romper a couraça de impunidade do colarinho branco. Sem subestimar o fundamental alinhamento ideológico  de instâncias superiores que facilitou em grande parte a empreitada.

Em situação normal, a legislação prevê formas de defesa contra esses ataques, especialmente aqueles em que familiares são vítimas, inclusive através de uma legislação contra crimes de crimes contra a honra. E há uma responsabilidade maior do magistrado, para exigir mais do que meras suspeitas como fundamento para medidas que atinjam familiares.

Mas quando existe um alvo comum – para Procuradores, Delegados e mídia -, esses limites são facilmente contornados e o clima da guerra santa se sobrepõe a tudo.

Não se pode impedir um delegado de considerar suspeita a menção à palavra “café” no e-mail em que o lobista menciona Gilberto Carvalho. Ou então à palavra “boneca”. Pouco importa se se referir a um café da manhã ou a duas bonecas de plástico para presentear duas filhas temporonas de Gilberto.  Antes da prova, tem que vir a suspeita, não é assim? E o delegado e o procurador têm que ter toda liberdade para suspeitar que sejam senhas para propinas.

Se o jornal publica reportagem sobre a suspeita do delegado e do procurador, nada a obstar, porque a suspeita é um fato real. Se o editor pega a reportagem e abre em manchete principal ou se sai no Jornal Nacional, trata-se do legítimo exercício da liberdade de imprensa, em cima de um fato real – a “suspeita” do delegado – mesmo que mais tarde seja considerada infundada. E se a juíza se baseia nas suspeitas que até mereceram destaque jornalístico de para autorizar quebra de sigilo fiscal, é prerrogativa dela. Ou não é? Afinal, o juiz precisa estar onde o povo está.

A lógica dos procuradores é objetiva. Em princípio todo réu – especialmente em crimes do colarinho branco – recorre a todo tipo de expedientes, não é santo e pode se valer de grandes advogados. Então todas as armas são válidas porque há em curso uma guerra santa.

Basta criar um movimento de opinião pública que facilite a adesão do juiz à causa. Nessas ocasiões é aproveitar as brechas – raras – para se avançar. Se inocentes são atingidos, se se impõe tratamento cruel a familiares, são danos colaterais, e  admissíveis para qualquer pessoa que ousou ter cargo público. Que não casasse ou fosse filho de figura pública.

O caso Collor

Talvez tenha sido o jornalista que mais sofreu nas mãos de Fernando Collor. Tirou meu programa de TV do ar, sofri vários ataques pessoais dele e processos de parceiros seus.

Quando a campanha do impeachment explodiu, poderia ter aproveitado para descontar, mas em determinado momento pulei fora. Com a campanha inclemente da mídia, a sucessão de reportagens falsas, a falta de limites exacerbando o clamor das ruas, fui tomado de uma dúvida existencial: quem era o mocinho e quem era o bandido naquela história?

Mocinho, definitivamente Collor não era. Mas os que criaram o clamor das ruas com aquela campanha midiática abjeta, seriam os mocinhos?

É por isso que as guerras santas, ao abolir limites, acabam consagrando muito mais a figura do justiceiro carniceiro, que com o tempo vai se igualando cada vez mais ao vilão, do que a do herói libertador sem mácula.

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