Quatro anos depois, não descobriram quem mandou matar Marielle. Mas descobriram quem matou e quem mandou matar Vladimir Herzog e nada aconteceu.
Por Moisés Mendes, compartilhado de Construir Resistência
No Brasil, descobrem o que pode ser descoberto e punem o que pode ser punido. Por isso podem até descobrir, mas talvez não aconteça nada com os mandantes do assassinato de Marielle.
Como descobriram quem eram muitos dos torturadores da ditadura, que nunca sofreram punição alguma. Muitos ainda estão vivos e um deles morreu impune há poucos dias.
Não aconteceu nada, porque o Supremo decidiu que o Brasil é uma ilha de proteção a bandidos ‘políticos’ da ditadura em relação às leis internacionais para crimes contra a humanidade.
Mas há também anistias e impunidades não escritas. Descobrem todos os dias quem mata pobres e negros nas favelas. Descobriram quem, por omissão e ações criminosas, causou a morte de milhares de pessoas na pandemia.
Não acontece nada. Estão na lista da CPI do Genocídio os nomes dos negacionistas que, ao mesmo tempo em que negavam a ciência, tentavam agir como criminosos atravessadores de vacinas. Dentro do governo.
Não acontecerá nada com eles, que incitaram ao crime e à morte, tendo ou não tendo foro privilegiado, porque todos pertencem às facções abrigadas no entorno do Palácio do Planalto.
Como talvez não aconteça nada com os que emitiram (por ordem de quem?) certidões de óbito fraudadas na clínica que fazia experimentos com tratamentos precoces com idosos.
Não aconteceu nada com os disseminadores de fake news e de mensagens em massa na campanha de 2018. Descobriram quem são os emissores de notícias e sabiam antes quem são os beneficiados, mas o TSE decidiu que agora não precisava acontecer nada.
Sabem quem são, mas ainda não aconteceu nada no Supremo com os pregadores do golpe em atos públicos na Praça dos Três Poderes, com a participação do chefe dos golpistas.
Assim como uma CPI mista do Congresso identificou, mas nunca investigou os disseminadores de mentiras contra adversários políticos, porque a CPI foi assassinada.
Já sabem há muito tempo que patrocinadores milionários, produtores e disseminadores de notícias falsas e difamações, da engrenagem do gabinete do ódio, estão livres para agir.
E continuam agindo sem temores. Mesmo que o ministro Alexandre de Moraes diga que este ano eles serão presos, agem à vontade porque não levam a sério as ameaças do Supremo.
Sabem quem são, mas estão impunes os que caçaram e encarceraram Lula, para que não participasse da eleição de 2018. Todo mundo sabe. Estão soltos e discursando em nome da moralidade, de Deus e da família.
Sabem quem são os sonegadores de impostos que financiam ações políticas criminosas e abusam do poder econômico em campanhas eleitorais. Mas eles nunca são alcançados pela Justiça.
Já identificaram os beneficiados pelos desvios do orçamento secreto que Bolsonaro libera em troca de apoio. Não aconteceu e nada acontecerá com os traficantes de emendas.
Sabem quem são o chefe e os subalternos do esquema das rachadinhas dos Bolsonaros. Mas os investigados que talvez venham a ser punidos são os investigadores das rachadinhas.
Investigaram todas as coincidências que ligam os Bolsonaros a criminosos e a crimes, mas nada passa das coincidências. Não vai acontecer nada com pessoas que apenas coincidem.
Sabem quem mata e quem manda matar índios para que os invasores explorem suas terras. E sabem quem ameaça matar inimigos na ponta da praia.
O Brasil sabe quem determinou que as mortes em massa e em manada, e não as vacinas, iriam imunizar contra a pandemia. Mas dizem não saber, ou não querem saber ou dizer, quem são os bem-protegidos que mandaram matar Marielle.
Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.
Artigo publicado originalmente no link abaixo do Brasil 247