Mais de dois milhões de pessoas vivem em áreas com risco elevado de tragédia, por vontade própria ou falta absoluta de opção
Por Agostinho Vieira, compartilhado de Projeto Colabora
Imagem aérea do Morro dos Prazeres, em Santa Teresa, no Rio de Janeiro (Foto: Custodio Coimbra)
Eles estão espalhados por todo o país, mas podem ser encontrados com mais frequência nas favelas cariocas, na Região Serrana do Rio de Janeiro, nos arredores de Salvador e Recife e até no Centro de São Paulo. São brasileiros que, por decisão própria ou absoluta falta de opção, vivem em locais de altíssimo risco, em cima de córregos ou encostas que podem desabar a qualquer momento. Nos documentos oficiais, estas áreas são classificadas como Risco 4, gravíssimo, mas o professor Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e especialista em mudanças climáticas, dá um outro nome: “áreas de risco suicida”.
Muitos desses brasileiros simplesmente se recusam a sair das casas onde moram, mesmo conhecendo os riscos. Alegam que estão perto do local de trabalho, da família, dos amigos, ou que vivem ali há muitos anos e nada de grave aconteceu até agora. Alguns, resignados, dizem que suas vidas estão nas mãos de Deus. A tragédia que se abateu sobre a Região Serrana no Rio, em 2011, soterrou mais de mil histórias como estas. Aliás, os números são um capítulo à parte desse drama. Os oficiais registram 918 mortos e mais de 100 desaparecidos na região, mas as associações das vítimas e o Centro de Defesa dos Direitos Humanos (CDDH) de Petrópolis chegam a falar em 10 mil pessoas.
Para Carlos Nobre, a tragédia da Serra foi um marco na prevenção de desastres naturais no Brasil. Entre 2012 e 2015 foram feitos investimentos importantes no aparelhamento das Defesas Civis dos estados e municípios e nos sistemas de alerta. Os eventos seguiram acontecendo, mas a quantidade de vítimas caiu. Mesmo os “suicidas”, que insistem em correr riscos, aceitam trocar, provisoriamente, as suas casas por locais seguros quando o alarme toca. Historicamente, o número de mortos por desastres naturais girava em torno de 400 a 500 por ano, superando a casa dos mil em 2011. Agora fica entre 50 e 100.
Ou seja, se nada mudar, no mínimo, 50 brasileiros morrerão este ano por conta de enchentes, secas ou desabamentos. E é essa a grande preocupação. Este é o verão da crise, das prefeituras falidas e dos governos sem credibilidade. O calor infernal e as chuvas intensas já chegaram. Apesar dos investimentos feitos entre 2012 e 2015, muita coisa ficou pelo caminho. As cidades estão longe de estarem preparadas para estes eventos. Dados do Atlas Brasileiro de Desastres Naturais indicam que houve 30 mil casos registrados entre 1991 e 2012, a maior parte deles ocorreu entre 2010 e 2012. As mudanças climáticas vêm influenciando diretamente na quantidade e na intensidade dos desastres.
Essa seria a hora de investir mais em prevenção e não menos. O engenheiro André Ferretti, do Observatório do Clima, acredita que é possível avançar nesse tema mesmo em tempos de crise. Ele defende que as prefeituras criem incentivos, por exemplo, para os moradores que aproveitem a água de chuva em suas casas, tenham telhados verdes ou trabalhem na preservação dos ecossistemas.
Já Carlos Nobre diz que está particularmente assustado com a situação do Nordeste. Estamos indo para o sexto ano consecutivo de secas. As melhores previsões variam entre chuvas dentro da média ou seca, quando seria necessário que chovesse muito para compensar a estiagem do passado recente. Segundo o pesquisador, a situação só não é mais dramática por conta dos quase R$ 30 bilhões investidos na região nos últimos cinco anos. Em programas de mitigação, compra de carros-pipa, ações como o Bolsa Estiagem e o Garantia Safra, aquedutos etc.
“Ninguém sabe o que vai acontecer agora. Se as chuvas não vierem ou se os recursos forem cortados, podemos ter uma convulsão social como tivemos na seca de 1998, com saques a caminhões, invasão de lojas e a volta da migração intensa para os grandes centros. O que, na prática, pode acabar aumentando ainda mais a lista de brasileiros vivendo em áreas de risco suicida”, conclui Carlos Nobre.