Os candidatos progressistas defenderão o SUS?

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Não bastam slogans vagos nas eleições, se depois cedem à privatização, em silenciosa aliança com corporações de saúde e farmacêuticas. É preciso fazer jus aos eleitores e vocalizar a defesa da saúde pública integral e de qualidade

Por Ligia Bahia e Luis Eugenio de Souza, compartilhado de Outras Palavras




Por Ligia Bahia e Luis Eugenio de Souza

As pesquisas realizadas sobre a eleição para presidente em 2022 sinalizam preferências pelos dois candidatos mais votados, por estratos de renda, escolaridade, sexo e faixa etária. A pesquisa divulgada pelo Instituto Datafolha em 24/03/2022 confirmou a dianteira de Lula (43%), seguido por Bolsonaro (26%).

Ratificou ainda diferenciais demográficos e sociais na distribuição dos eleitores dos dois principais candidatos. Lula tem vantagem entre os menos escolarizados e com menor renda. 

Entre os eleitores situados na faixa de renda até dois salários-mínimos, escolaridade correspondente ao ensino fundamental, Lula venceria seu principal oponente por 55% a 19%. O ex-presidente tem a preferência dos jovens entre 16 e 24 anos 51%, contra 22% para Bolsonaro.

Bolsonaro adquire vantagem entre os mais escolarizados e nas faixas de renda superiores a 5 salários-mínimos. A diferença entre Lula e Bolsonaro é de apenas 6 pontos entre os que tem ensino superior (36% e 30%, respectivamente) e ainda menor quando consideradas as maiores faixas de renda. O atual presidente teria 38% dos votos entre quem recebe entre 5 e 10 salários-mínimos e 39% acima de 10 salários (11% e 12% acima das preferências médias do conjunto de seus eleitores).

Por enquanto, o perfil delineado pelas pesquisas eleitorais é inequívoco e coerente com os inquéritos sobre avaliação da gestão do governo federal, que também evidenciam maior aprovação de Bolsonaro entre os mais velhos, brancos, empresários, com maior escolaridade e rendimento. Trata-se de um padrão distinto da divisão observada para a escolha do presidente dos EUA. Biden venceu com uma margem de 4% no voto popular, em uma disputa na qual 65% dos eleitores brancos sem diploma universitário apoiaram Trump. Embora os democratas tenham conquistado a ampla maioria dos votos negros.

Tanto no Brasil, quanto nos EUA, as bases de apoio popular a candidaturas majoritárias não necessariamente se projetam nas eleições para o parlamento e nas políticas governamentais. Discursos e programas para vencer a eleição, confirmam expectativas das bases de apoio, mas nem sempre servem para tocar os mandatos. Sem maioria no congresso as necessidades de saúde dos negros, pobres e pouco escolarizados tendem a desparecer após as vitórias eleitorais.

Uma agenda democrática que interpele a acepção liberal e racista na saúde segundo a qual cada macaco deva permanecer no seu galho, entranhada em diversos fóruns empresariais da saúde, em ambos os países, representa uma ameaça objetiva ao modo de organização dos sistemas de saúde, atravessados por injustiças, preconceitos e discriminações.

Duas estratégias amortizam os conflitos. A primeira, mais direta, consiste em estabelecer alianças com um ou mais setores empresariais em detrimento dos demais. A indústria farmacêutica passa a ser beneficiada se o governo expande a oferta pública e compra mais medicamentos. A segunda requer slogans dúbios como “fortalecimento do SUS”, acompanhados promessas de manter tudo como está, melhorando um pouquinho. A ambiguidade atrai dois grupos sem votos, mas com muito poder: os pretendentes a assumir cargos, mesmo que saibam que não farão o que se disse na campanha e os focados na expansão dos negócios setoriais, que precisam de garantias para levar adiante projetos de mercadorização da saúde. 

Reformas na saúde iniciadas na administração Obama, mesclam a via das articulações que envolvem deslocamentos de grandes grupos econômicos com conversas de pé-de-ouvido. Por aqui, o padrão consolidado é falar em incrementar o SUS e praticar privatização. A soma do devagar e (nem) sempre com a expansão do setor privado na saúde foi em parte responsável pela desastrosa resposta brasileira durante a pandemia.

Vieram do senso comum dos produtos vendidos no mercado a preços diferenciados as acepções de reproduzir a estratificação social no sistema de saúde. É certo que uma calça jeans com valor de R$ 30 ou que custe R$ 3 mil atendem o propósito de vestir.  Mas a transposição acrítica da máxima da segmentação dos negócios para os cuidados a pacientes resultaria no limite em um terço de transplante para os pobres, meio para os remediados e órgão inteiro para os ricos. Ou seja, atividades ineficazes e escolhas inaceitáveis sobre quem deve morrer. Pacientes, independente de cor/raça e status socioeconômico com carga elevada de morbidade requerem atendimento intensivo e integral durante a agudização e para evitar a piora dos casos crônicos.

Para curar ou preservar vidas, não basta uma atenção meia boca, básica. O SUS como sistema de saúde necessita ser tão complexo quanto as vidas humanas que lhe conferem sentido. Os eleitores que esperam mudanças democráticas ficarão decepcionados se a dramática experiência com as mortes que poderiam ser evitadas não for suficiente para motivar decisões para a organização de um SUS público potente e qualificado. Entre a cruz e a caldeirinha, a opção é dotar as políticas de saúde de forte teor público para desatar os nós do empresariamento privado-público. Quem vota em candidatos progressistas não é a favor da privatização.

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