Os efeitos da pandemia sobre a saúde mental dos universitários

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Compartilhado de Projeto Colabora – 

Pesquisas mostram que estudantes se sentem pressionados pela rotina nas universidades e sofrem consequências físicas e psicológicas

Pesquisas mostram que estudantes se sentem pressionados pela rotina nas universidades e sofrem consequências físicas e psicológicas (Foto: Pixabay)

(Inara Almeida e Maysa Polcri*) – Salvador(BA) – Sete em cada dez universitários brasileiros afirmam que a pandemia trouxe algum impacto para a sua saúde mental. É o que mostra o “Global Student Survey”, levantamento feito pela organização sem fins lucrativos Chegg.org. Este foi o maior índice entre todos os 21 países analisados. Os dados se tornam mais graves e preocupantes quando lembramos que este é o segundo Setembro Amarelo destes novos tempos de covid-19. E que ainda não estão muito claros os efeitos que a doença trará ou poderá trazer nos próximos anos. De acordo com a Associação Brasileira de Psiquiatria, 96,8% dos casos de suicídios no Brasil estão relacionados a transtornos mentais, em especial a depressão. Uma pesquisa feita na Universidade Federal da Bahia (UFBA), ainda em fase inicial, reforça essa preocupação e mostra que 94% dos alunos acreditam que a vida universitária causa uma grande pressão psicológica.




As histórias dos alunos da UFBA, dos mais diferentes cursos, ilustram esse cenário e revelam como e por que a qualidade de vida dos estudantes pode estar sendo comprometida. É o caso, por exemplo, de Rafael Oliveira, que cursava psicologia na Faculdade Anísio Teixeira (FAT), em Feira de Santana, a 100 km de Salvador. Há algum tempo Rafael já vinha se indagando sobre as razões de a faculdade ter esse potencial “adoecedor” para certas pessoas. Durante os estágios que passou dentro da FAT, o estudante deparou-se com épocas do ano em que a procura por atendimentos psicológicos crescia consideravelmente.

“Percebi que em certos períodos, como entrega de TCC e final de semestre, os estudantes enchiam o centro ambulatorial tendo crises de ansiedade e pressão baixa, ainda recebíamos mais ligações de pessoas que pensavam em suicídio”, conta. A curiosidade despertou o interesse pelos estudos e hoje Rafael é mestrando no Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre a Universidade, onde desenvolve uma pesquisa sobre saúde mental e qualidade de vida dos estudantes universitários.

 Até o dia 27 de agosto, 373 estudantes da UFBA já haviam participado da pesquisa, que ainda está na fase de coleta de dados (Clique aqui e participe). Apesar da fase preliminar, algumas considerações já podem ser feitas. Entre as maiores dificuldades encontradas pelos estudantes da UFBA, por exemplo, estão: conseguir conciliar trabalhos e estudos (26,5%), o cronograma de avaliações (22%) e questões de adaptação (20,6%). Outro fator importante que os dados apontam é que a vulnerabilidade dos estudantes é influenciada por opressões interseccionalizadas, em especial na perspectiva social.

Não está fácil para ninguém

Era 2011, Fernanda** foi aprovada nas duas fases do vestibular da UFBA para cursar química e, de aluna brilhante da rede pública, passou a enfrentar problemas com o desempenho na faculdade, chegando a repetir a mesma disciplina mais de duas vezes. A dificuldade para levar o curso chegou ao ponto de Fernanda ter sido jubilada por exceder o tempo de permanência na universidade, e precisou recorrer à justiça para continuar estudando.

Além de uma sequência de problemas pessoais de origem familiar e de saúde, a estudante afirma que o próprio ambiente universitário se revelou tóxico e fez com que desenvolvesse sinais de depressão. A falta de compreensão de certos professores, além da competitividade e consequente falta de união entre colegas são problemas para a estudante, que não consegue se enturmar e se sente sozinha.

Depois de conseguir, em 2019, passar para o turno noturno e encontrar um ambiente mais leve, em que se sente menos pressionada, Fernanda espera conseguir se formar em 2022 e conta que a pandemia intensificou a sua ansiedade para concluir a graduação. Hoje, a estudante tem feito terapia através do PsiU, programa de saúde mental da UFBA, mas acredita que não tem sido suficiente. O PsiU foi criado em abril de 2017, a partir de uma atividade de extensão criada para psicólogos já formados e que hoje ajuda a desburocratizar o acolhimento dos estudantes, já que não há necessidade de agendamento.

O programa se localiza na Pró-Reitoria de Ações Afirmativas e Assistência Estudantil da UFBA (PROAE), no bairro da Federação, em Salvador. Devido à pandemia, o plantão de acolhimento está sendo realizado através do WhatsApp (71) 99911-2828 e atende gratuitamente todos os estudantes da universidade. Os dados mais recentes disponibilizados pelo PsiU, em 2018, apontaram que mais de 50% dos estudantes atendidos recebiam bolsa ou algum benefício da assistência estudantil. A combinação de precariedade, devido à falta de recursos financeiros, e a ausência de familiares pode gerar mal-estar e até depressão nos alunos.

Luiz Felipe Monteiro, coordenador do PsiU, destaca que a proposta do programa é fornecer acolhimento, que é diferente do acompanhamento psicológico. O servidor afirma que o programa foi pensado para atender a urgências subjetivas e que muitas pessoas que não procurariam terapia, acabam buscando o PsiU devido à facilidade e ausência de burocracia. “A gente pensa que só vai ser bom se for longo, e essa não é, exatamente, uma realidade para muitas pessoas. A possibilidade de um atendimento com fácil acesso faz uma diferença muito grande”.

Questões anteriores

Mulher negra e de condições econômicas menos favorecidas, Laura* foi vítima de bullying na infância e conta que, como a estudante de química Fernanda, questões de ansiedade e depressão atravessaram o seu caminho desde os primeiros momentos em que esteve na UFBA. A síndrome da impostora, na qual o indivíduo acaba se sabotando por acreditar ser incapaz, também a aflige. “As expectativas de mobilidade social que a faculdade pode proporcionar acabam me deixando muito mais tensa”, desabafa.

As situações vividas pelas duas jovens vão ao encontro do que o pesquisador e psicólogo Rafael Oliveira alerta: não existe, pelo menos até hoje, uma relação de causa e consequência, entre a universidade e os problemas de saúde mental, devidamente estabelecida na literatura acadêmica. Ou seja, fatores pessoais e anteriores ao ambiente universitário ainda contam muito.

O frio na barriga e a ansiedade que batem antes de ser avaliado por alguém foram alguns dos motivos que fizeram a estudante Laura, de 22 anos, passar mal durante a realização de uma prova, sair da sala de aula e não voltar mais, pelo menos não naquele semestre. O ocorrido foi em 2017, quando ainda era caloura do curso de ciências sociais. De lá para cá, foram pelo menos três tentativas de voltar para a universidade, mas só com a pandemia e as aulas online, conseguiu concluir um semestre.

Atualmente, Laura tenta conciliar o estudo com o trabalho, realidade comum para alunos da UFBA. Dos que responderam à pesquisa Saúde Mental e Qualidade de Vida de Estudantes Universitários, 35,1% possuem jornada dupla. Mas, se no trabalho em uma rede de cinemas, ela se destaca pela forma como lida com problemas e clientes, na universidade a estudante sofre com a dificuldade de estabelecer vínculo com os colegas. Laura também procurou atendimento no PsiU algumas vezes, mas como o procedimento do programa não é o acompanhamento psicológico, não persistiu.

Já uma iniciativa desenvolvida este ano tem ajudado a estudante a estabelecer relações de parceria com colegas. O Programa Permanente de Acolhimento à Comunidade Caloura do Curso de Ciências Sociais (PAC CISO) tem como objetivo intensificar as redes de apoio entre estudantes. Para além das dificuldades de socialização, outros fatores que preocupam a estudante e que disparam na pesquisa sobre saúde mental são o excesso de disciplinas e o cronograma de atividades avaliativas. Ericsson é estudante de produção cultural e tem sofrido com a carga de conteúdos passados pelos professores:

Calouro em plena pandemia, Ericsson viu seus planos ruírem em março de 2020. Natural de Boa Vista do Tupim, na região da Chapada de Diamantina, o estudante de 23 anos ingressou na UFBA através de cotas e foi contemplado por editais da PROAE. Mas, quando a pandemia se agravou e a universidade fechou as portas, teve que voltar para a casa dos pais no interior e perdeu os benefícios que iria receber.

Toda a situação, agravada pelo estudo online, acabou por desencadear um quadro de ansiedade, que já havia sido diagnosticado alguns anos antes. Dessa vez, Ericsson não procurou ajuda psicológica, por acreditar que as pessoas não levam a sério problemas emocionais que surgem pelos estudos. Como válvula de escape, voltou a praticar um hobby antigo, a corrida. “A faculdade precisa de mais empatia dos professores, a vida do aluno não se resume apenas ao ambiente universitário”, desabafa.

O pesquisador Rafael Oliveira diz que sentir ansiedade devido às demandas dos estudos, como em apresentações de trabalho, por exemplo, é algo normal. Porém, quando os sentimentos extrapolam e atrapalham o convívio social, pode se tornar uma patologia, que exige atenção profissional.

Lembro bem do dia que cheguei

Na década de 70, o cantor e compositor Belchior já cantava em músicas como Fotografia 3×4 as dificuldades de quem saia do interior em busca de ganhar a vida na cidade grande. A Universidade Federal da Bahia é um polo aglutinador de jovens de diferentes municípios e Ana Luiza, assim como Ericsson, é uma das que vieram atrás de oportunidades.

Sem ajuda financeira da família, a jovem de 24 anos saiu da cidade natal, Barreiras, e enfrentou diversas dificuldades para permanecer no curso de língua estrangeira. No primeiro lugar em que morou na capital baiana, dividiu uma república com 7 homens e chegou a ter seu quarto revirado e o computador roubado. Com dificuldade para bancar moradia e alimentação, Ana Luiza ficou na lista de espera das bolsas da PROAE e não tinha conseguido nenhum dos benefícios até a pandemia, que acabou possibilitando o auxílio permanência de 250 reais.

Depois de diversas mudanças de casa, a jovem, que já tinha depressão e Transtorno do Déficit de Atenção com hiperatividade diagnosticados, começou a ter crises de pânico e procurou ajuda no único lugar que tinha como porto seguro, a UFBA. Infelizmente, tanto a ajuda financeira quanto a psicológica deixaram a desejar. Para a jovem, falta à universidade um apoio maior aos estudantes vindos do interior.

“É desesperador o olhar de quem vem de fora, essas pessoas acabam virando alvo de gente má”, desabafa a estudante. Com uma trajetória com percalços que vão até tentativas de suicídio, Ana Luiza ainda enxerga na UFBA um ambiente rico de oportunidades e pretende voltar para Salvador quando o ensino presencial for liberado. Outro dado que chama a atenção na pesquisa sobre fatores associados ao sofrimento psíquico é o de que 18% dos alunos que participaram têm pensado em dar fim à sua vida.

Apesar de os personagens desta matéria terem sido estudantes da Universidade Federal da Bahia, é importante destacar que o cenário de desgaste da saúde mental de alunos universitários se estende para outras faculdades e, inclusive, outros países, como o estudo “Global Student Survey”, já citado anteriormente, demonstra. Se você ou algum conhecido têm enfrentado dificuldades e precisa de apoio psicológico, procure o Centro de Valorização da Vida através do telefone 188 ou o atendimento via chat.

Caso seja estudante universitário, certifique-se de que sua faculdade disponibiliza programas de acolhimento gratuitos. Na UFBA, além do PsiU, é possível procurar ajuda no SMURB, localizado dentro do Hospital Universitário Professor Edgard Santos.

*Inara Souza e Maysa Polcri são estudantes de jornalismo da Universidade Federal da Bahia.

**Miguel Nogueira, designer que produziu o infográfico, também é estudante da Universidade Federal da Bahia

***A reportagem usou nomes fictícios para aqueles que não quiseram se expor.

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