Os fornos da morte viram marco contra a ditadura, 60 anos depois

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Com caravana do Estado, ato na “Usina da Morte”, em Campos dos Goytacazes (RJ), vai mostrar à sociedade horrores da ditadura

 POR ROBERTO JUNQUILHO, COMPARTILHADO DE SÉCULO DIÁRIO   




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Um ato de alcance nacional, nesta quarta-feira (6), nos fornos da extinta usina de cana-de-açúcar Cambahyba, a “Usina da Morte”, em Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, será o início da longa caminhada até Juiz de Fora, Minas Gerais, para relembrar os 60 anos do golpe de 1964, “para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça”. Os fornos, onde o delegado Cláudio Guerra, da Polícia Civil do Espírito Santo, cremava corpos das vítimas, nos anos 70, será o ponto inicial de várias manifestações até a data dos 60 anos do regime, em 1º de abril de 2024.

A área da extinta usina será destinada para a reforma agrária, formalizada como assentamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O local abriga sete fazendas em 3,5 mil hectares e é objeto de disputa há vários anos. Em 2012, foi considerada improdutiva pela Justiça. Em 2021, desapropriada e destinada ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e, em junho do mesmo ano, ocupada por cerca de 300 famílias do MST, no local conhecido como um dos centro de violência da ditadura militar no Rio.  

O parque industrial, hoje desativado e situado em área do MST, no ato será transformado em símbolo contra os crimes da ditadura, em evento com fortes ligações com o Espírito Santo, por meio do livro Memórias de uma guerra suja. No texto, a revelação dos horrores cometidos pelo delegado, usado pela ditadura nos anos 70, como ele conta em depoimento aos jornalistas Rogério Medeiros e Marcelo Netto, que resultou em investigações em torno dos crimes registrados naquele período.

No Espírito Santo, de onde sairá uma caravana de militantes políticos para a área da usina, haverá uma série de atos sobre a ditadura, entre documentários, com depoimentos de ex-presos políticos e de vítimas de tortura, lançamento de livros e exposição de fotos, concentrados no Centro Cultural Triplex Vermelho, no Centro de Vitória. Palestras em escolas, sindicatos, partidos políticos e outros espaços também fazem parte da programação.

A criação do “Memorial Cambahyba, ditadura nunca mais, memória, verdade e justiça” mobiliza o Triplex Vermelho, o Fórum Memória e Verdade, do Espírito Santo, e a centenária Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), Associação de Pós Graduandos da UFF Mariele Franco e Associação Nacional de Pós Graduandos (ANPG), entre várias outras entidades e partidos políticos.

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O objetivo é levar à sociedade os horrores da ditadura militar no Brasil, único país da América do Sul em que os ditadores não foram julgados e punidos. A maioria dos criminosos permanece na impunidade e, muitos deles, são homenageados com nomes em logradouros públicos e em discursos de agentes públicos da extrema direita, invariavelmente ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), admirador do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos mais conhecidos chefes de centros de tortura do período.

A ação no “Memorial Cambahyba” tem o apoio do Ministério dos Direitos Humanos; familiares de presos, mortos e desaparecidos políticos; centrais sindicais – CUT, CTB, MST -; partidos – PCB, PCdoB, PT, PSB, Psol -; e outros movimentos.

Os organizadores do ato afirmam que “a ocupação da Usina Cambahyba e das terras têm um sentido de preservação do espaço de memória daqueles que foram silenciados e desaparecidos no período da ditadura militar”, com a permissão da então Companhia Usina Cambahyba para utilização dos fornos para sumir com 12 corpos de presos políticos e opositores do regime. 

Foram cremados nos fornos os corpos de presos políticos, estando já identificados os de Ana Rosa Kucinski Silva (ALN), Armando Teixeira Frutuoso (PCdoB), David Capistrano (PCB), Eduardo Collier Filho (APML), Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira (APML), João Batista Rita Pereira (VPR), João Massena Melo (PCB), Joaquim Pires Cerveira (FLN), José Roman (PCB), Luiz Inácio Maranhão Filho (PCB), Thomáz Antônio da Silva Meirelles Neto (ALN) e Wilson Silva (ALN).

Comissão Nacional da Verdade

No livro Memórias de uma Guerra Suja, Claudio Guerra relata: “Minha participação na guerra contra a esquerda pode ser dividida em duas fases: a primeira foi de execução dos inimigos do regime militar. Eu era convocado e matava. Muito eficiente, passei a ter importância crescente na comunidade de informações, que organizava o combate aos comunistas”.

Na segunda fase, completa o ex-delegado, “tornei-me estrategista, braço direito dos coronéis linha-dura, ganhando prestígio e poder, participando de discussões secretas, votando pela eliminação de pessoas, planejando e liderando atentados a bomba”.

Os primeiros a serem incinerados, segundo Guerra, foram João Batista Rita Pereira, militante da VPR, e Joaquim Pires Cerveira, da FNL. Os dois haviam sido presos na Argentina trazidos para o Brasil. Guerra relata que eles tinham que sumir para não complicar ainda mais o delegado Sergio Fleury, de São Paulo. “Fizemos, então, um favor ao delegado”.

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