A liberdade que bolsonaristas que clamam por um golpe militar no país dizem defender é, no mínimo, relativa. Eles a defendem para si e os seus, notadamente aqueles que desfraldam as bandeiras antidemocráticas (como a da anulação das eleições desse ano).
Por Marcelo Auler, compartilhado de seu Blog
Mas os mesmos, por métodos violentos e na maioria das vezes covardes (em grupos), não reconhecem e atacam os direitos de outros. Em especial os dos jornalistas, que os manifestantes tentam censurar, na tentativa de impedir que reportem o que acontece nos atos que eles promovem, desde o dia 30, na porta dos quartéis.
Na tarde dessa terça-feira (15/11), data comemorativa da Proclamação da República, um grupo desses manifestantes tentou me forçar a apagar a entrevista que acabara de gravar com um deles: o aposentado Eraldo, de 74 anos, reservista do Exército Brasileiro, participante da manifestação defronte ao Palácio Duque de Caxias, sede do Comando Militar do Leste, no centro do Rio de Janeiro.
Capitaneados por um bolsonarista mais raivoso e violento, que mesmo diante da minha garantia de não deixar o local me aplicou uma gravata para supostamente impedir que eu me afastasse, um grupo deles exigia que eu apagasse a gravação. Diante do meu posicionamento firme de que não os atenderia, tentaram inutilmente me intimidar.
Ameaças se espalharam pelo país
As ameaças não se resumiram ao meu caso no Rio de Janeiro. Repetiram-se em Brasília, por manifestantes que estavam no Setor Militar com os mesmos protestos, onde uma equipe da rádio Jovem Pan saiu escoltada por policiais militares, como noticiou o 247. Ainda em Brasília, outras equipes de jornalistas também teriam sido ameaçadas. Os ataques e ameaças também aconteceram em Belém do Pará, com jornalistas de O Liberal, conforme denúncia do Sindicato dos Jornalistas do Pará.
Sem falar que, na véspera (14/11) Isaac Risco, correspondente espanhol da agência alemã Deutsche Presse Agentur (DPA), viveu situação idêntica quando circulou por rodovias ocupadas por manifestantes no Paraná. Ele foi obrigado a apagar uma entrevista que tinha feito ali, com um dos insurretos, como narra no vídeo
As perguntas é que incomodaram
Aqui no Rio, o bolsonarista mais raivoso/virulento criticava o fato de eu ter questionado o reservista sobre o silêncio do presidente Jair Bolsonaro e a passividade das Forças Armadas, ao longo dos últimos 15 dias, sobre os pleitos que fazem. Na realidade eles se recusam a perceber que, embora sejam muitos, acabam clamando no deserto. Pregam ao léu. Não querem ver que a sucessão presidencial já está em curso, inclusive apoiada pelo próprio governo bolsonarista, como mostram as nomeações daqueles que compõem o governo de transição, já publicadas no Diário Oficial.
De forma bizarra me acusaram de ter abusado da inocência do entrevistado. De ter induzido respostas quando, na realidade, como repórter, após o consentimento do entrevistado, apenas lhe dirigi as questões que necessitam respostas dos manifestantes. Perguntas de difíceis explicações para aqueles que há quinze dias clamam por golpe sem que haja nenhuma resposta. Sem sequer receberem o apoio do “mito” que eles defendem (adoram? Idolatram?).
O que devem ter estranhado foi a reação firme de quem não se dobra a ameaças, venham de onde vier. Deixei claro que não apagaria a entrevista. Notaram que eu não reagi às agressões, não bati boca, nem recuei. Não me amedrontei, mas também não provoquei. Partiu de mim mesmo a proposta de buscarmos a intermediação da Polícia Militar. Mostrei que eu não tinha receio, pois estava certo que agi com ética, dentro da lei e dos meus direitos.
Policiais agiram na legalidade, frustrando os golpistas
As contradições dos manifestantes eram claras. Acabaram expostas pelo próprio sargento da PM-RJ que mediou o caso. Partiu dele o questionamento sobre as razões do protesto que ali ocorria. Ao argumentar que exerciam a “liberdade” de se manifestarem, o bolsonarista mais raivoso/virulento deu ao sargento o argumento para mostrar sua contradição: “o jornalista também tem liberdade para trabalhar”. O sargento foi claro expondo que não tinha como sequer me pedir que apagasse a entrevista.
A ida à 4ª Delegacia Policial foi a forma encontrada pelo sargento para, de maneira consensual, retirar os envolvidos da área dos protestos, onde os manifestantes já se aglomeravam. Não houve “condução obrigatória”, mas um “convite” prontamente aceito por mim, que nada tinha a temer.
Na porta da Delegacia, o bolsonarista mais raivoso/virulento, que a todo o momento alardeava ser pai de um policial militar, teve a desagradável (para ele) surpresa de esbarrar em um policial civil que nem deixou que entrássemos no prédio.
Ao tomar conhecimento do fato, pelo relato do bolsonarista e do sargento (nesse momento eu, afastado, falava ao telefone com um advogado amigo e com Octávio Costa, presidente da ABI) o policial de plantão foi claro: “nenhum dos senhores me obrigará a cometer um abuso de autoridade registrando uma ocorrência que não existe”.
Recomendou, inclusive, o que eu já havia recomendado antes ao entrevistado: “o senhor poderá, depois, sentindo-se prejudicado, processar o jornalista. Não impedir e entrevista ser veiculada”.
O episódio apenas torna transparente a maneira como os manifestantes pró-golpe manobram os seus argumentos de defesa da liberdade da forma que lhes convêm. Querem o direito de se manifestar a favor de um golpe, ainda que defendendo o desrespeito à Constituição, mas não reconhecem o direito dos demais os criticarem. E buscam evitar tais críticas, inclusive, de forma virulenta, como a gravata que me foi aplicada.
Uma violência que, espertamente o general de pijama Eduardo Villas Bôas esconde no seu twitter apoiando as manifestações golpistas que insistem em não querer reconhecer o resultado das urnas. Comentário no qual cobra posições da mídia, sem citar que jornalistas são ameaçados quando se dispõem a reportar esses atos golpistas. Trata-se, como deixou claro a Nota Oficial da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), de “um atentado à democracia, um estímulo ao golpe” que mereceu “veemente repúdio”.
Resta saber por quanto tempo esses fanáticos permanecerão clamando no deserto, já que reivindicam algo que jamais será atendido. Mas também resta a dúvida de até quando as ditas autoridades – notadamente prefeitos e governadores – permitirão que os manifestantes mantenham as ruas ocupadas, atrapalhando e tumultuando a vida nas cidades/estados que governam?