Os ingênuos e arrogantes não se preparam para enfrentar as batalhas reais das eleições

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Lula é dotado de uma astúcia e sabedoria políticas inatas. Ele percebeu que as eleições de 2022 se definirão por um eleitorado de perfil de centro-direita

Por Aldo Fornazieri, compartilhado de Construir Resistência




Foto: Ricardo Stuckert

Análises e entrevistas de representantes das esquerdas passam a impressão de que as eleições presidenciais de 2022 serão uma espécie de convite para jantar. Lula estaria praticamente eleito, talvez no primeiro turno. São análises impressionistas. Tomam os números das pesquisas de hoje como dados da realidade da disputa de 2022. Servem para deseducar os ativistas e os movimentos sociais. Semeiam um ufanismo desmobilizador e arrogante.

Para usar uma metáfora esportiva, o jogo eleitoral de 2022 será abaixo da linha da cintura. Lula será submetido a duríssimos ataques, tanto nos espaços legais e institucionais quanto nos espaços ilegais e subterrâneos, onde vale tudo. Quem acreditar que esse jogo bruto não vai existir será um arrematado ingênuo. Lula será atacado por toda ordem de questões morais e, com maior evidência, como corrupto e comunista.

Muitos sábios da política acreditam que essas coisas não têm mais incidência, que não pegam. Pegaram em 2018. Esquecem-se daquela velha lição romana de que as pessoas acreditam em coisas porque são coisas absurdas. Ou da lição de Maquiavel, de que aquele que quer enganar sempre encontrará alguém que queira ser enganado. Os ingênuos e arrogantes não se preparam para enfrentar as batalhas reais das eleições. Não se prepararam em 2018, não se prepararam na ­disputa entre Trump e Hilary Clinton e não se prepararam no Brexit.

Outra dificuldade de setores da esquerda consiste em não perceber o cenário que se desenha. Acreditam que Moro será candidato a vice ou ao Senado. Não percebem que sua candidatura é praticamente irreversível e que ele é um candidato mais perigoso que Bolsonaro. Ele está se constituindo no Plano A das elites moralistas sem moral, das elites udenistas e golpistas e de parcela dos militares.

A terceira via terá vários candidatos. Há alguns motivos para essa pulverização. Em primeiro lugar, todo candidato padece da alucinação de que vencerá as eleições, de que será agraciado pelos deuses, pela Fortuna ou que triunfará pela sua astúcia. Se não fosse assim, eleições contariam com poucos candidatos. Em segundo lugar, muitos concorrem mesmo que julguem que a vitória é improvável. Analise-se a chamada terceira via: não é impossível deslocar Bolsonaro para fora do segundo turno. Qualquer candidato pode julgar que ele terá chance de passar para o segundo turno.

Mas existem outras motivações. A principal delas são as eleições presidenciais de 2026. Lula disputa as eleições de 2022 quase que na condição de um candidato à reeleição. É plausível dizer que ele tem boas chances de ser eleito. Em 2026 terá 81 anos e se cogita que dificilmente vai partir para uma nova disputa. Então, se abrirá um vácuo na liderança política do País. Ele poderá ser ocupado por alguém que semear em terra fértil em 2022. Assim, não tem sentido político Moro ser vice de Doria ou Doria ser vice de Moro e tem sentido Rodrigo Pacheco e Simone Tebet serem candidatos para projetar seus nomes nacionalmente.

No caso de Doria, há uma motivação a mais para ser candidato: a reconstrução do PSDB. O partido está fragmentado e dividido. Se não quiser ter o destino de ser uma legenda do “Centrão”, eterno coadjuvante, terá de superar suas divisões internas, encontrar uma nova identidade com um candidato próprio.

Nesse contexto todo, qual é o significado de uma possível candidatura Lula/Alckmin? Cada um tem sua preferência de composição de chapa, mas Lula é dotado de uma astúcia e sabedoria políticas inatas. Ele percebeu que as eleições de 2022 se definirão por um eleitorado de perfil de centro-direita. Ele tem os eleitores de esquerda. Não teria sentido eleitoral compor uma chapa com Boulos ou com alguém com perfil de esquerda. Se vencer, e a depender das novas bancadas, é possível que tenha de fazer composições com setores de centro-direita. O ­golpe-impeachment de Dilma deve servir de dura lição de que é preciso compor uma maioria mais qualificada, menos corrupta e menos golpista. O presidencialismo de coalizão, quase morto por Bolsonaro e depois ressuscitado por ele, é uma realidade que se impõe por conta da pulverização partidária. Mas pode e deve ser melhorado e qualificado. Num país com tantos conflitos e com muitos partidos, um governo estável requer coalizões.

Se uma chapa Lula/Alckmin é limitante em termos de composição, como fazer um possível governo Lula avançar? Existem alguns caminhos: por compromissos programáticos democráticos e populares, por reformas progressistas estruturantes, por uma estratégia de eleição de fortes bancadas de esquerda e centro-esquerda na Câmara e no Senado e pela organização autônoma dos movimentos sociais, capazes de se mobilizar em torno de suas demandas. O PSOL e os parlamentares progressistas teriam de exercer um papel fundamental de contrapeso às tendências conservadoras e de direita.

Aldo Fornazieri é cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política (FESPSP)

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