O passo mais maduro das associações de jornais, rádios e televisões, seria a criação de um código de ética e de sistemas de auto-regulação.
Por Luis Nassif, compartilhado de seu Blog
O editorial de O Globo foi fulminante: “Ao se reconcilicar com Bolsonaro, Moro joga por terra legado anticorrupção”. O veredito é definitivo:
“Ao aparecer ao lado de Bolsonaro na campanha eleitoral, ele (Moro) deixa evidente sua parcialidade nos julgamentos contra Lula, que levou à anulação dos processos contra o ex-presidente no Supremo Tribunal Federal”.
O do Estadão não foi mais ameno: “Moro, o inimigo da Lava Jato”.
“Ao ignorar os muitos indícios de lavagem de dinheiro envolvendo a família Bolsonaro – 51 imóveis cuja compra envolveu dinheiro vivo –, Sérgio Moro ajudou a reforçar a tese dos detratores da Lava Jato: a de que as lideranças da Operação nunca estiveram de fato interessadas no cumprimento da lei, mas apenas em perseguir opositores políticos.”
Essa conversão na estrada de Damasco é curiosa, pois ocorre simultaneamente, em cima de um fato óbvio, nítido desde os primeiros meses da Lava Jato. Mas, antes, o jogo era a favor.
A mídia cai em si porque nos próximos dias estará em jogo o destino da democracia no Brasil, e ambos os jornais se deram conta disso tardiamente.
Nos últimos anos, houve um aumento exponencial das notícias falsas, espalhadas não apenas por redes sociais mas por veículos tradicionais. E esse modelo de interferência na política nasceu com a Lava Jato, alimentada pelas manchetes da mídia, por notícias falsas e por seu papel de repassadora de releases da Lava Jato.
É uma miopia considerável de um fenômeno global, que ameaça a própria mídia. Em seminário recente, o especialista espanhol em desinformação Ramón Salaverría alertou que o jornalismo pode estar à beira de um “precipício profissional”. O alerta ocorreu em um seminário da Universidade de Navarra, que se tornou uma espécie de referencial ideológico da mídia tradicional brasileira.
O ponto central de ameaça são os algoritmos utilizados, privilegiando a audiência e os cliques. Registre-se que esse padrão afeta não apenas os algoritmos da rede mas os algoritmos cerebrais do jornalismo atualmente praticado.
“Os conteúdos falsos tendem a difundir-se mais, têm mais visibilidade e por isso temos de estar muito atentos quando usamos este tipo de tecnologia”, afirmou.
Suas sugestões são meramente tecnológicas, o uso da Inteligência Artificial desenvolvendo padrões de análises que permitam identificar notícias falsas, rumores e boatos.
No caso brasileiro, o buraco é mais embaixo. Foram abandonados até critérios jornalísticos básicos, em favor da militância política dos veículos de mídia.
Não se vá reinventar a história da imprensa. Historicamente, os veículos sempre serviram a grupos políticos e econômicos, mantendo sob controle o mercado de opinião.
As agências de notícias e, depois, as redes de rádio e televisão, ajudaram a criar uma opinião pública relativamente uniforme, com poucas variações em torno de temas centrais, e bastante manipuladas: é só conferir a maneira como foi imposta a ideologia do ultraliberalismo.
Em dois momentos houve um terremoto no mercado de opinião: a entrada do rádio, nos anos 20, e, agora, das redes sociais. Há uma quebra na homogeneização do mercado de opinião, surgem novos atores, os locutores dos anos 20, os influencers e abre-se espaço para manipulações. A estratégia de Goebbels, nos anos 20, foi repetida com competência pelos algoritmos da ultra direita nas redes sociais. Dá-se um tratamento específico para cada bolha, criando uma aproximação com o usuário impossível nos veículos de mídia convencionais. E ainda tornando-o protagonista-palpiteiro dos temas tratados.
A partir daí, criam-se diversas armadilhas para o jornalismo. Uma das funções mais nobres do jornalismo seria se constituir em espaço de mediação. Em ambientes polarizados, o distanciamento ideológico passa a ser mal vista por todos os lados.
Além disso, a visão inicial das redes sociais como um novo “ágora” – o espaço público de discussões que originou a democracia grega.
Como constatou o seminário, muitas das vozes que se ouvem neste espaço são artificiais, feitas expressamente para incrementar a ressonância da mensagem, com grupos coordenados para as ampliar através dos algoritmos.
Quando o veículo de mídia entra nesse jogo – como foi o caso da Jovem Pan – cria-se um total curto-circuito, acabam os limites entre fake news de redes sociais e mentiras jornalísticas. E, aí, entra em cena uma praga brasileira: o corporativismo jornalístico.
O passo mais maduro das associações de jornais, rádios e televisões, seria a criação de um código de ética e de sistemas de auto-regulação. Em fins dos anos 90, ameaçada por um projeto de lei draconiano, a mídia acenou com essas possibilidades. Foi só haver um recuo na tramitação do PL para se voltar atrás, permitindo toda sorte de abusos.