Fernando Molica pelo Facebook –
Soube hoje que, este ano, não vai ter Árvore de Natal na Lagoa. Uma pena. Em 2010, publiquei no DIA um texto sobre a festa que rolava por lá.
Quem, de um modo geral, se queixa da Árvore de Natal da Lagoa não reclama da árvore. Muitos falam do trânsito, do estacionamento ilegal. Mas, no fundo, o que os incomoda é o povo que se aglomera por lá. Se não atraísse tanta gente dos subúrbios, a árvore seria quase ignorada, como há até pouco tempo eram tolerados o frescobol e o altinho à beira-mar, como se admite o uso de drogas na praia. É como se apenas moradores da Zona Sul pudessem ser transgressores, tivessem autorização para estacionar nas calçadas dos bairros que chamam de seus.
A geografia carioca facilitou a segregação. Há um acúmulo de beleza e de riqueza na Zona Sul, que virou sinônimo do Rio que exporta modas e costumes. Lembro que, menino de Piedade, gostava de passear pela Zona Sul, pedia a meu pai que passasse por Copacabana e Ipanema. Na época, o subúrbio era mais bonito e tranquilo, menos degradado e violento. Mas, mesmo assim, gostava de ver aquele Rio diferente, mais rico e iluminado. Um Rio que tinha praia, que olhava de perto para o Cristo e para o Pão de Açúcar.
Se, na minha infância, houvesse a Árvore da Lagoa, insistiria para ser levado até lá. Iria querer participar da festa, comeria pipoca e algodão doce, tomaria mate, tiraria fotos. Na Lagoa de hoje, vejo muitos meninos como fui, que chegam de Piedade, de Quintino, de Realengo. Meninos que, felizes com a festa, com a pipoca e o mate, não notam que, às suas costas, do alto dos prédios, muitos reclamam de sua presença, ironizam seus hábitos, seu entusiasmo e suas roupas; defendem o banimento da árvore para a Zona Norte.
Eles acreditam ser possível construir uma cidade com base na separação, não sabem como a presença daqueles meninos e meninas humaniza o Rio, o torna mais afável. O Rio se fez singular porque soube conviver com a diferença; por ser porto e capital, aprendeu a trocar com estrangeiros, com gente de outros estados. O branco Noel subiu o morro; o negro Cartola foi para o asfalto. Num boteco simbólico, eles se encontraram e criaram a música brasileira. Isso vale para Pixinguinha, Chico Buarque, Villa-Lobos, Nelson Cavaquinho.
A presença dos meninos que atravessam o túnel para ver a árvore faz o Rio respirar; renova a cidade, reforça a necessidade de convivência e tolerância, faz com que, como dizia Cazuza, olhemos a nossa própria cara. Que sejam bem-vindos.
Foto da capa: captura de tela