Por Enio Squeff, artistas plástico, jornalista e escritor
Os militares que dizem ter entrado no governo “para garantir a ordem”, não admitem em público que são reféns do capitão, que o Exército expulsou de suas fileiras, há tempos: é uma literal sinuca de bico, mas só até certo ponto.
Enquanto “garantem a ordem”, todos os militares hoje encastelados no governo, acrescentam a seus soldos, o salário dos cargos que ocupam. A palavra soldado vem de soldo: é ele quem garante a profissionalização das Forças Armadas. No caso brasileiro, porém, aos seus proventos regulares (pagos por nós, os contribuintes), os militares em seus postos governamentais, acrescentam um pouco mais de grana.
É certamente também por conta disso que aguentam ser insultados diariamente por Olavo de Carvalho, o Rasputin dos Bolsonaros, mais conhecido, aliás, como “guru de hospício”: merda pra cá, merda pra lá, entremeadas de referências obsessiva ao ânus, eles se desmoralizam como nunca na história brasileira. Tem razão a argentina Cristina Kirchner em invocar Deus diante de um quadro de tanta baixaria no país vizinho ao seu.
Ignora-se até quando os proventos e a fidelidade ideológica ao Império – pois o entreguismo é o outro lado desta moeda da desgraça nacional – garantirá a fidelidade incontinente dos generais ao capitão. Por enquanto, eles têm em sua agenda aquilo que aprenderam nas escolas militares: ódio incontido ao PT e à esquerda, que eles teimam em confundir com “comunismo”.
É tão destrambelhada a sua obsessão, que eles ainda veem a Rússia como comunista… Quanto ao mais, são fiéis a seu antigo ídolo, o general Sílvio Frota, destemido guardião dos interesses dos norte-americanos no Brasil. E que chegou a se confrontar com o nacionalismo de um dos ditadores do regime militar, general Ernesto Geisel.
De qualquer modo tudo como dantes no quartel de Abrantes: os militares na quase totalidade de suas fileiras, continuam tratando o Brasil como país ocupado. E hoje já não se pejam de serem ofendidos de alto a baixo, cotidiana e indiretamente pelo porta-voz do capitão, justamente o “guru de hospício”.
Tudo em nome da boa razão de estarem com Trump. E do dinheirinho a mais que o capitão lhes dá como parte de seu bom comportamento e da sua inteira passividade diante do repertório algo repetitivo do “guru da hospício” que os ofende, não com muita originalidade, aliás.
O “guru de hospício” a propósito, tem um dicionário bastante limitado para ofender os excelentíssimos generais da República brasileira: afora os desaforos excrementais, há o ânus das pobres mães deles…
Entrementes, a governança do país pode esperar. Parte da população que aplaude o analfabetismo e a guerra contra as universidades (são poucos os que entenderam que o ministro da educação (??) confundiu Kafka, escrito tcheco, com Kafta, comida árabe) gostaria muito de aplaudir o capitão e seu clã. Ocorre que os governantes não só ignoram como se faz isso, como não se interessam pelo mister.
Entre ataques ao vernáculo, à soberania e à economia brasileira, sobram, então, os paisanos patriotas, ainda que resolutamente apatetados.
Até quando? Ninguém sabe.
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Ilustração de Enio Squeff, 2011
Página 140 do livro K. de Bernardo Kucinski
Ed. Editora e Livraria Expressão Popular
isbn 9788577431892