Os mortos que me acompanham

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Por Ulisses Capozzoli, jornalista

Envolvido com um projeto pessoal que tem me absorvido desconhecia a morte do físico Ennio Candotti (1942-2023) no começo deste mês que encerra o ano. Só desconfiei disso por uma mensagem de Marianne Frederick. Fui investigar e era isso mesmo. Há uns seis meses falei com ele pela última vez. Com o humor que sempre o acompanhou, numa ligação feita pelo fotógrafo Renato Soares, amigo comum, ele me contou que havia implantado 10 stents e se divertiu comigo que colocara um único e estava profundamente decepcionado com isso.




Ennio foi parte de uma constelação de cientistas brasileiros com quem tive o privilégio de conviver em diferentes circunstâncias. Desde que me iniciei no jornalismo científico (abandonando o jornalismo econômico e o curso de economia com que perdia tempo precioso na FEA-USP) como resultado do telescópio europeu Iras (infravermelho) que detectou um feto planetário em torno de Vega, alfa de Lira, já na operação de calibragem no espaço, em 1983.

Troquei a economia pela astronomia que já era uma de minhas paixões e nunca me arrependi. Foi o que me permitiu a convivência com essa constelação de cientistas que inclui Ennio Candotti e uma infinidade de outras pessoas, algumas com quem trabalhei diretamente, caso do físico-matemático Marco Antonio Raupp, que dirigiu o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais ((Inpe), foi ministro da ciência e tecnologia, uma alma pacífica/generosa acompanhada de inteligência e sensibilidade incomuns.

A lista desses homens notáveis que incluíram o geneticista Crodowaldo Pavan, os geógrafos Aziz Nacib Ab’Saber e Milton Santos e meu irmão adotivo, Eduardo Dorneles Barcellos quem introduziu a exobiologia como ciência no Brasil. Antes dele o que havia era a ufologia e o desconhecimento por parte da comunidade astronômica limitado por um fundamentalismo do século 19, além do nosso orientador comum de mestrado e doutorado, o físico e historiador da ciência Shozo Motoyama.

Essa lista ampla e diversa inclui ainda mulheres como a bioquímica Glacy Zancan e sua ética suave e constante, além da psicóloga Carolina Bori uma mulher adorável, protegida por um escudo de franqueza cristalina.

Muitos amigos mortos, boa parte jovem, caso do Eduardo e Octavio Tostes, meu parceiro de fascinantes viagens de motocicleta que também retornou à universidade, ao menos por um curto período, antes de se decidir em definitivo pelo jornalismo.

Em certas noites esses amigos me visitam em memórias congeladas pelo tempo, o que não me desconcerta em absoluto. Não sou religioso e por isso mesmo não perco tempo com pregações inconsistentes. Mas nunca acreditei no que muita gente se refere como “morreu acabou”, ainda que procure não me envolver com esses debates.

Em princípio, não me interesso muito pelo que as pessoas pensam, a não ser que tenham uma hipótese para sustentar uma opinião e, neste caso, tenho enorme prazer em conhecer a, ou as, hipóteses. No caso da morte me valho da segunda lei da termodinâmica, basicamente as transformações de matéria/energia que são a mesmíssima coisa ainda que possam parecer distintas.

A morte, na minha avaliação, não implica em fim da consciência. Acredito nisso pela interpretação da segunda lei da termodinâmica que diz aproximadamente que matéria e energia não podem ser criadas nem destruídas, mas apenas transformadas.

O que chamamos de consciência e isso inclui a memória de meus mortos, é obviamente uma forma de energia. E ela não pode ser criada ou destruída. Apenas trasformada.

Imagem Vladimir Kush/surrealista russo

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