Os pobres e o Corinthians

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Por Celso Sabadin, jornalista e crítico de cinema, no Facebook

Tem gente que não gosta quando eu faço esta associação, mas vou fazer assim mesmo. Afinal, não estamos neste mundo pra fazer o que os outros gostam, né? Seguinte: este ódio anti-PT instalado em parte da nossa sociedade, na verdade, é muito antigo, e não é exatamente contra o PT, mas sim contra a ascensão social das classes menos favorecidas.




Muito antes até da existência do PT eu já ouvia, no meu próprio seio familiar, frases do tipo “antigamente o negro era dócil” e “como meu voto pode valer exatamente o mesmo que o voto de um baiano qualquer?”. Certa vez ouvi de um familiar septuagenário que – quando ele era jovem – o pai dele chamava os lixeiros para uma rápida ceia, quando o caminhão de lixo passava pela rua da casa família, na noite de Natal. Orgulhoso, ele me disse que os lixeiros sentavam-se à mesa e faziam um rápido jantar para depois prosseguirem em seu trabalho. Como eu sabia que o senhor em questão era racista, perguntei-lhe: os lixeiros negros também? Alterado, ele rebateu: “não havia negros em São Paulo naquela época!”.

Sim, nasci e cresci numa família paulistana pobre de direita, classe média remediada, católica, branca, extremamente preconceituosa e com um nível quase zero de alfabetização política. Conheço por dentro – e muito bem – os mecanismos doentios do pensamento deles. E funciona assim: os pobres merecem, sim, o nosso carinho, a nossa atenção, a nossa esmola… desde que eles saibam direitinho qual é o lugar deles, e dali jamais saiam. Desde que eles não nos ameacem. Lixeiros na mesa do jantar, só na noite de Natal. E só os brancos. Faxineira, só da porta da cozinha pra fora.

Mas o que eu queria mesmo falar no início deste longo texto (atualmente qualquer coisa acima de 140 caracteres é considerada longa) é que – antes mesmo desta polarização política que vivemos hoje – eu já tinha sentido bem de perto este ódio contra os pobres: foi em 2012, quando o Corinthians venceu o Campeonato Mundial. O que tem a ver? Tudo! Historicamente, o Corinthians é associado às classes pobres. Não sei exatamente porquê, mas é. Na brincadeira popular de associar sempre um time de futebol a um estereótipo de torcida, o corinthiano sempre foi o favelado, o maloqueiro, o gatuno. O favelado Joca, corinthiano, residente “na Marginal sem número”, era um personagem de sucesso num antigo programa humorístico de rádio na Jovem Pan. O palmeirense era um comendador italiano, o são paulino era um ricaço, e por aí vai. A torcida assumiu a brincadeira cantando “Oooooo…. corinthiano, maloqueiro e sofredor – Graças a Deus!”.

Tudo bem, sem problemas…. até o momento em que o Corinthians fez o que “não podia”: ganhou o título mundial. Ao ascender para a elite do futebol mundial, o Corinthians quebrou uma barreira que devia ser intransponível: pobre entrou onde não devia. Percebi isso muito de perto: o que era brincadeira virou agressão. Xingamentos cada vez mais pesados e demonstrações de intolerância cada vez mais agressivas passaram a impregnar o que antes era apenas um faz-de-conta. Inclusive no meu meio social.

Ao ganhar um campeonato mundial, ao entrar num avião, ao ingressar na faculdade, ao disputar vagas de empregos, ao comprar carro zero, o pobre desafia os mecanismos sórdidos e centenários de uma elite que – no início da Primeira República – elegeu Prudente de Morais Presidente com um número de votantes que não chegava a 1% da população brasileira da época. Naquele momento, mulheres, analfabetos e pobres não podiam votar.

Cabe a nós, agora, decidir, se este país vai conseguir derrubar estes pilares do atraso ou vai ficar tudo como sempre foi. Da minha parte, eu quero mais é muita gente viajando de avião, comendo três refeições por dia, estudando em universidades cada vez melhores. E um bi, tri ou tetracampeonato mundial para o meu querido e favelado Timão. Maloqueiro e sofredor, Graças a Deus!

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