Por Oscar Valporto, publicado em Projeto Colabora –
Em torno de chafariz centenário e coreto moderno, São Salvador é ocupada pelas crianças, de dia, e, à noite, por artistas e seus públicos
A semana começa com avisos: terça tem forró na praça e, na quinta, vai ser dia de jazz no mesmo cenário. Vou conferir para ver se não há engano, mas as dicas estão certas: a mesma Praça São Salvador, que tem o samba do Batuque do Coreto no sábado e o chorinho do Arruma Meu Coreto no domingo, incorpora novos ritmos. Deve ser a única praça da Zona Sul que ainda tem coreto e, certamente, tem o único dos monumentos franceses importados no começo do século passado pelo prefeito Pereira Passos para o Rio de Janeiro, que não mudou de lugar desde que foi instalado, em 1903: a escultura La Font, do francês Louis Sauvageau, no alto do chafariz há mais de um século.
A praça foi criada um pouco antes e nunca teve uma igreja apesar da aparente inspiração religiosa. Na segunda meta do século XIX, após comprar a maior parte das terras da chácara do diplomata José Alexandre Carneiro Leão, entre Laranjeiras e o Catete, o Banco Alemão loteou a área e, em 1875, cedeu espaço para a abertura da Rua e da Praça São Salvador, homenagens a Carneiro Leão, barão e depois Visconde de São Salvador.
A primeira grande reforma da praça ocorreu em 1903, durante as reformas de Pereira Passos, quando a São Salvador ganhou jardim, chafariz e o monumento de Louis Sauvageau – a figura feminina no alto. Outras peças do chafariz não têm assinatura, mas também foram feitas na França, na Fundição Val D’Osne, famosas na Europa e também no Brasil, a partir da primeira encomenda do Imperador Pedro II em 1878: o chafariz de 10 metros de altura que está hoje na Praça Mahatma Ghandi. Depois, quase 200 obras em ferro fundido da Val D’Osne foram instaladas no Rio. O chafariz da São Salvador foi tombado pelo Inepac em 2000.
Os coretos – populares na França desde a revolução de 1789 – também chegaram ao Rio de Janeiro na época de Pereira Passos: o primeiro foi inaugurado em junho de 1903, na Praça XV. O coreto da Praça São Salvador, entretanto, é muito mais novo. Os coretos multiplicaram-se pela cidade até 1930: em São Cristóvão, na Glória, no Méier, na Tijuca, na Praça da Bandeira, na Ilha do Governador. Mas, na São Salvador, o coreto só foi construído em 1995, quando a praça passou por uma reforma dentro do projeto Rio Cidade do Catete, quando também ganhou os primeiros brinquedos infantis.
Como na Paris da Revolução Francesa, onde esses espaços eram usados tanto para manifestações artísticas quanto políticas, o modesto coreto da São Salvador – uma construção de madeira com telhado de folhas – passou a ser um local de encontro. Primeiro, foi o bloco Bagunça Meu Coreto, que passou a fazer ensaios e desfiles a partir do Carnaval de 2005. Dois anos depois, surgiu a dominical roda de chorinho – Arruma Meu Coreto – em torno da qual foi crescendo uma feira de comidinhas, bebidinhas, artesanato. A roda de choro já ganhou o status de patrimônio cultural imaterial do Estado do Rio.
As manifestações são mais raras, apesar do lugar ter fama de reduto esquerdista pela frequência de artistas e jornalistas. De manhã cedo e no fim da tarde, as crianças são maioria e garantem um clima de pracinha de bairro. Conforme anoitece, jovens e adultos vão tomando conta, ocupando a praça noite adentro. Depois do samba de sábado e do chorinho de domingo, tem o Encontro Semanal de Malabares e Circo todas as segundas-feiras. O Salvador Jazz é, na verdade, mensal: desde junho lota a praça. O próximo deve ser em novembro. O Forrozin São Salvador estreou em setembro e, agora, todas as terças os casais dançam em torno do coreto.
Os shows sempre acabam às 22h como mandam as regras da boa convivência, mas até lá o movimento garante mais gente nos bares em torno da São Salvador – Seu Dodô, Caneco 85, Império da Praça, Restaurante da Praça – comércio aberto até mais tarde e uma sensação maior de segurança. Sempre tem algum vizinho chato que reclama, mas também isso é parte da melhor tradição das ruas da cidade.