Os tapetes de Corpus Christi

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Por Adriana do Amaral, jornalista

Nasci em berço católico, como era o comum na minha infância onde a Igreja Matriz era o ponto de encontro que reunia famílias e formava outras. Nunca fui praticante, mas adulta descobri-me uma mulher de fé.




Algumas celebrações católicas me comovem e ainda chamam a minha atenção: o presépio de Natal que anuncia o nascimento do menino Jesus, que atualmente remete ao Povo da Rua; o seu enterro, na procissão da Sexta-Feira Santa, especialmente o lamento em forma de canto que personifica de dor de Verônica ecoado pelas mulheres anônimas e a minha preferida: a procissão de Corpus Christi.

A tradição dos tapetes que enfeiam a rua por onde apenas o espírito santo, protegido pela tenda e carregado pelo padre/religioso, acontece à luz do dia, para que todos possam admirar a beleza. É uma cerimônia religiosa, mas também cultural. Na quinta-feira (17) acompanhei o cortejo da cidade de Boituva, no interior de São Paulo.

Cedinho os voluntários foram às ruas “bordar” os tapetes multicoloridos no chão da rua principal. Aos poucos os munícipes e turistas caminhavam pelas ruas -sem pisar no tapete- para admirar, fotografar, se encantar! O que remeteu a minha infância, quando as técnicas e recursos eram mais escassos.

Nos anos 1960, 1970, o pó de serra era tingido de cores variadas, flores despetaladas, folhas e galhos e a liberdade criativa predominava, num mosaico inspirador. Semanas antes eram recolhidas tampinhas de refrigerante, daquelas de metal que vedavam as garrafas de vidro, que eram embrulhados com papel alumínio coloridos.

Nós, crianças, esperávamos a procissão acabar para disputar as pequenas joias que viram brinquedo e/ou peças de jogos de tabuleiro. Na época, a limpeza urbana apenas recolhia os resíduos no dia seguinte, e a população podia sorver com calma da beleza.

Nos dois anos passados, devido à pandemia da Covid-19, o festejo foi interrompido ou limitado à procissão de automóveis. Em 2020, muitas cidades trocavam o tapete artificial por cobertores que seriam doados para a população durante o inverno. 

Há 30 anos eu dava à luz a minha filha Cristina num feriado de Corpus Christi, quando a Avenida Paulista se abriu facilitando a minha chegada à maternidade.

Este ano, chamou-me a atenção os tapetes padronizados, confeccionados a partir de formas prontas. Era só colocar o molde no asfalto e colorir, mas não reduziu a sua beleza. O mais bacana, para mim, é que a procissão acontece à luz do dia, o que ameniza o frio do inverno que se aproxima, mas também nos permite admirar os detalhes da arte religiosa/popular.

Outro fenômeno é testemunhar a fé dos fieis durante a procissão, uma cerimônia intensa, porém festiva. A tristeza ficou por conta da Limpeza Urbana, que passou logo após o cortejo, lavando as ruas, limpando tudo, sem deixar rastros.

Conversando com amigos, nos grupos de whatsapp, vi que a tradição se perpetua Brasil afora, nos diferentes estados, mas se perdeu em algumas cidades. Cada um deles relatou tem a sua própria memória! Lembro que minha sogra, dona Rosa, dizia: o Santíssimo Sacramento vai lhe conceder o que deseja: faça o pedido. Quando muitos estão reunidos a reza é mais poderosa!

Em épocas que o Catolicismo se mistura, e há quem diz que compete com fé diversas; em épocas de ódio, de intolerância, eu desejo que o “sangue derramado” do Cristo que cada um de nós acredita nos proteja da intolerância e nos devolva a esperança.

Foto: Adriana do Amaral

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